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Festival celebra produção audiovisual de cineastas negros e negras

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Festival celebra produção audiovisual de cineastas negros e negras

Começou no último domingo (20/11), Dia da Consciência Negra, o III Festival Cinema Negro em Ação. O projeto, realizado pela Secretaria de Estado da Cultura (Sedac), por meio do Instituto Estadual de Cinema (Iecine) e da Casa de Cultura Mario Quintana (CCMQ) vai até o próximo domingo (27/11), com uma série de atividades e exibições de filmes de forma presencial e virtual. 

A iniciativa nasceu em 2019, a partir da ideia da cineasta Camila de Moraes de criar um programa de formação continuada voltado para a formação e a profissionalização de profissionais negros e negras para o audiovisual brasileiro. A partir do contato com o Iecine, a ideia acabou se transformando e se ampliando, encontrando no Festival a janela final de um programa de ações afirmativas que se desenvolvem ao longo do ano. 

O motivo de realizar um evento com recorte racial, conforme aponta Zeca Brito, diretor do Iecine, é tentar dar conta de uma lacuna muito grande no protagonismo de pessoas negras no audiovisual brasileiro. “Temos mais de 50% da população que se autodeclara negra e nós temos uma baixíssima representação de pessoas negras na frente e atrás das telas. É um mercado ainda muito elitizado, ainda muito dominado por pessoas brancas”, aponta. “Cabe ao Estado, como órgão público, que interpreta a sociedade e as suas demandas, praticar ações que possam transformar essa realidade. E elas são a longo prazo. A gente vai poder ver, a partir dessa ação afirmativa, de recorte racial, uma produção que se identifica como audiovisual negro brasileiro e que tem essa presença negra como algo evidente e que precisa ser celebrado”, complementa Brito. 

Para Alceu Silva, cineasta e participante do Festival, o evento é um importante instrumento tanto para incentivar e potencializar o trabalho e o profissionalismo da negritude brasileira quanto para somar na discussão da pauta racial. “Para mim, como negro, ter um festival que tem um olhar especial para dentro da minha origem étnica não só transmite a minha potência de realizador audiovisual, quanto também acaba sendo um ponto de encontro da nossa comunidade”, coloca Silva. 

O realizador reforça o quanto o passado escravagista reverbera no presente: “A negritude acabou se desunindo de maneira forçada. Então através de cada festival, tu vai conhecendo novos realizadores, novos atores, tu vai construindo elos de ligações com outras negritudes, de outros lugares do Brasil e isso vai nos dando retornos maravilhosos. A gente encontra nossos pares através desse festival. É um momento que dá uma força para cada um de nós enquanto indivíduos e isso é algo que só esse tipo de evento é capaz de construir”, afirma. 

Programação 

A terceira edição do festival acontece de forma híbrida, com eventos presenciais na CCMQ e transmissão da programação online e na televisão por meio das parcerias travadas com a plataforma Cultura em Casa, da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, e com a TVE-RS. Na plataforma, os curtas, longas e vídeos que integram a programação do Festival podem ser acessados de qualquer região brasileira e até do exterior, garantindo uma visibilidade ainda maior para os conteúdos selecionados. 

A programação envolve também painéis sobre o mercado audiovisual, rodadas de negócios, palestras, ações formativas, workshops, apresentações artísticas, além da exibição de filmes consagrados. As atividades contam com importantes nomes do mercado audiovisual, como Marcela Altberg, Fábio Mostof e a própria Camila de Moraes, que deu o pontapé inicial para o Festival nascer.

Encontro com a diretora de Casting da Amazon, Marcela Altberg. Foto: Douglas Barcelos

Ao longo da semana, o público pode assistir as 39 obras que foram escolhidas por meio de um edital. O conjunto compõe um recorte de produções contemporâneas de novos cineastas negros e negras do país e apresenta obras nas categorias videoarte, videoclipe, curta-metragem e longa-metragem. Jeferson Silva, curador da mostra do III Festival Cinema Negro em Ação, aponta que no evento desse ano “todas as linguagens audiovisuais se misturaram para celebrar o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, relembrando as conquistas alcançadas pelos heróis e heroínas nacionais e projetando os desafios para o combate do racismo”. Conforme Jeferson, a mistura de linguagens contribui para dar visibilidade a trabalhos que dificilmente alcançariam o grande público. “Longas, curtas, clipes e vídeoarte mostraram um pouco mais da riqueza cultural do país, levantando importantes debates e inserindo o espectador como sujeito ativo nos atuais debates raciais”, afirma. 

Ele ainda pontua que, na composição da mostra, a negritude seguiu como o principal norte: “Diversos coletivos e associações foram convidadas a aquilombolar-se para integrar sua curadoria e construir, coletivamente, esta edição. Convidamos representantes da APAN (Associação de Profissionais Pretos), Coletivo Macumba LabADA-RS Brasil (Assistentes de Direção Associados do Rio Grande do Sul /Brasil), priorizando a diversidade e qualidade de trabalhos realizados por profissionais negros, com o objetivo de democratizar a exibição a um maior número de pessoas”. 

Destaques e homenagem 

Na quarta-feira (23/11), foi dia de bate-papo com o homenageado dessa edição do Festival, o ator Antônio Pitanga. O evento aconteceu no Teatro Bruno Kiefer, e foi seguido pela apresentação do documentário Pitanga, na Sala Eduardo Hirtz. O longa-metragem, dirigido por Beto Brant e Camila Pitanga, narra a trajetória do ator ao longo de seus mais de 60 anos atuando e protagonizando filmes que marcaram a história da cinematografia brasileira. “Pitanga foi o homem que fez do Cinema Novo um cinema negro, ao se colocar ali a serviço da linguagem, das transformações estéticas de uma preocupação política para com a sociedade brasileira e sempre pensando a arte como um espaço de transformação, de contestação, e de luta social”, destaca Brito.  

Nascido em Salvador, e hoje com 83 anos de idade, Pitanga foi dirigido por nomes como Glauber Rocha, Trigueirinho Neto, Roberto Pires, Anselmo Duarte, Joaquim Pedro de Andrade, Cacá Diegues e Walter Lima Jr. Atuou em mais de 70 filmes, além de novelas, seriados e peças teatrais. 

Foto: Douglas Barcelos

Alceu Silva reforça justamente a importância do Festival em destacar e valorizar nomes de grandes personalidades, em especial atores negros da televisão brasileira, algo que contribui ativamente para a luta pela equidade racial e pela conquista de espaço no meio audiovisual brasileiro. “Pitanga é um grande nome da nossa dramaturgia brasileira e o terceiro homenageado pelo festival. Ao fazer isso, com o troféu Cine Negro em Ação, o festival acaba marcando e eternizando ainda mais essas figuras na história”, enfatiza o cineasta. Para ele, esse é um dos grandes papéis do Festival: enaltecer a negritude, dando exemplos para as novas gerações. Nas edições passadas, os homenageados foram o cineasta Jeferson De (2021) e o ator Sirmar Antunes (2020). 

Outro importante destaque dessa edição, conforme o diretor do Iecine, é o pacto antiracista firmado por diversas produtoras do Rio Grande do Sul. A iniciativa estabelece metas de equidade, o compromisso com equipes mais diversas e inclusivas e tem a pauta da diversidade como diretriz para o cinema regional. “É um processo coletivo que a partir do cinema negro busca dar uma outra expressividade para aquilo que se entende como cinema gaúcho. O cinema gaúcho é um espaço de diversidade e a gente precisa oportunizar que esses talentos apareçam. Essa é a missão do Festival.” afirma Brito. 

O curador Jeferson Silva, por sua vez, ressalta a criação de um ambiente propício para a troca de vivências entre produtores e players – algo que é fundamental na área do audiovisual e reforça a diversidade de conhecimento.  Ele aponta também o notável esforço da curadoria em convidar estudantes de escolas públicas do Rio Grande do Sul para participarem das exibições de cinema. “Isso possibilita o primeiro contato de muitos desses alunos com filmes regionais, e demonstra a relevância da mostra na formação dos jovens e na disseminação da história racial para as comunidades envolvidas, a partir da linguagem audiovisual”, complementa. 

Laboratório de Talentos e futuro 

Com três edições realizadas, o consenso é de que ainda há muita estrada para percorrer com o movimento de inclusão e de luta antiracista. Porém, já há razões para comemorar. Conforme relata Brito, o Festival é um laboratório de talentos. “De uma edição para a outra, a partir da composição das equipes do evento, foi possível perceber o desenvolvimento das potências locais, dos talentos que o audiovisual gaúcho e brasileiro têm sob essa perspectiva de realizadores negros e negras”, aponta. 

Outro ponto importante é o papel do Festival em elevar a autoestima e possibilitar a construção de um futuro mais egualitário, como lembra Alceu Silva. “Dentro da comunidade negra, o Festival tem um papel importantíssimo porque nos fazer sentir valorizados, enxergados pela sociedade, principalmente pelas políticas públicas do nosso Estado. No que tange a sociedade de maneira geral, eu acho que cumpre um papel de aproximação da pauta da negritude em relação a potencialidade da juventude negra gaúcha e brasileira, o que contribui em diferentes aspectos”, conclui. 

O curador, Jeferson Silva, finaliza lembrando que a luta segue: “Vigilante, o Festival Cinema Negro em Ação seguirá lutando por um audiovisual transformador que coloque o negro em um lugar de potência, ocupando os espaços de poder e sendo símbolo da resistência de nosso povo”, finaliza.

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