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Daniele Zill e o gesto flamenco

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Daniele Zill e o gesto flamenco Danielle Zill. Foto: Carlos Sillero

Um convite para decifrar as nuances da dança flamenca será lançado nesta sexta (18/12), às 17h. Em bate-papo no canal da Funarte no YouTube, a bailarina Daniele Zill apresenta o livro Gesto Flamenco, fruto de sua pesquisa de mestrado em Artes Cênicas pela UFRGS e de sua atuação no Del Puerto, coletivo que integra desde 1999.

Capa de “Gesto Flamenco”. Reprodução: Edições Funarte

“O gesto flamenco é um somatório, uma edificação, formada por modulações de tônus e ancestralidade (inventividade e tradição), treinamento corporal e atravessamentos afetivos (técnica e temperamento), especificidades artísticas e processos colaborativos (aparato técnico e processos criativos). São elementos ou estruturas que, apesar do aparente antagonismo, estão fortemente agregadas, formando o que nomeei de corporeidade flamenca, na qual o gesto flamenco está apoiado”, define a artista no livro.

Danielle Zill. Foto: Claudio Etges

O objeto da dissertação – e agora livro – de Zill é Las Cuatro Esquinas, montagem da companhia Del Puerto premiada com oito troféus do Prêmio Açorianos de Dança 2012. No livro, a bailaora e pesquisadora analisa as cenas do espetáculo – disponível online – para investigar as especificidades da dança flamenca. Com linguagem acessível, a publicação traz ainda um glossário de termos relacionados ao flamenco.

Leia a entrevista.

Como foi o processo de elaboração da publicação, de uma dissertação de mestrado para o formato de livro?

Esse processo de adequação teve duas fases. A primeira delas foi feita em parceria minha com dois grandes amigos da área das publicações, aqui de Porto Alegre, Sandro Gomes e Fábio Pinto, que me auxiliaram a dar esse filtro de interesse acadêmico para interesse geral. Nessa época, configuravam-se os primeiros passos que dei em direção a realização desse sonho, através de um crowdfounding. Essa campanha foi interrompida tão logo eu tive a maravilhosa notícia, através do Fabiano Carneiro, coordenador de dança da Funarte: o projeto do livro tinha sido aprovado pela Edições Funarte para publicação.

A partir daí o texto foi revisado minuciosamente até chegar ao resultado final que temos. A equipe de revisão da Edições Funarte foi incrível, tanto em aspectos técnicos, como em qualidade humana, todos pacientes com a minha angústia de principiante, escritora de primeira jornada. E a pesquisa está toda ali: o resgate memorial do coletivo Del Puerto, os aspectos culturais e políticos relacionados à linguagem flamenca e a pesquisa sobre o gesto, na especificidade.

A pesquisa tem como recorte o espetáculo Las Cuatro Esquinas. Nos conta um pouco sobre a escolha dessa montagem como objeto de pesquisa.

A escolha sobre o recorte do espetáculo teve um caráter bem técnico, já que ele foi um marco na trajetória do grupo, além de ter sido atravessado por diversas circunstâncias que se fizeram importantes, como o fato de ter sido o primeiro processo de criação coletiva após a perda de Andreia Del Puerto (1976-2007). Além disso, ele traz características de espacialidade, composição coreográfica, composição musical, aspectos de produção, divulgação e continuidade de repertório que também marcaram uma maneira do Del Puerto trabalhar. Las Cuatro Esquinas também marcou época quando, em 2012, recebeu oito Prêmios Açorianos das 12 honrosas indicações (todas) que havia recebido, carimbando a marca e a qualidade do trabalho desse coletivo na cena artística de Porto Alegre. Tenho completa noção e humildade em observar que isso foi apenas um recorte, entre os recortes possíveis na história da cena contemporânea de arte da cidade, mas também tenho muito orgulho em recordar esse momento histórico para a Del Puerto.

Você menciona na introdução que a linguagem flamenca ainda é um campo de estudos pouco desenvolvido. Nesse sentido, quais foram os desafios da pesquisa?

Eu me apoiei muito em uma ideia desenvolvida pelo Umberto Eco, no seu livro Como se Faz uma Tese. Ele afirma que, se por um lado o acesso a materiais, leituras mas dilatadas e autores que desenvolvam ideias mais específicas sobre o assunto for difícil ou impossível, mais espaço terá o autor para desenvolver e planificar suas próprias teorias. Com certeza é um passo arriscado e de ousadia, mas se Umberto Eco, falou eu acredito (risos).

Felizmente houve muitos autores e autoras que serviram como balizadores para o desenvolvimento da teorização em relação ao gesto flamenco – no campo da análise do movimento, dos vieses filosóficos do sentir e das bases de estudos históricos já realizados no campo da flamencologia (nova disciplina). Nesse ponto, o maior desafio se constituiu em “cruzar o charco” e colocar essa teorização em relação direta com a nossa realidade. A experiência de 20 anos de atividades ininterruptas no Del Puerto foi fundamental nesse sentido.

A reflexão sobre o gesto flamenco é um elemento central da pesquisa. O que esse conceito engloba?

É um jogo complexo onde o corpo dançante e o ambiente sonoro são/estão amalgamados. Aspectos da espacialidade (peso, velocidade, forca), do uso de adereços, dos diferentes tipos de treinamento, das afecções emocionais e da catapulta expressiva (pessoal e intransferível), o silêncio, o barulho e o que se constrói com eles. Todos esses elementos, ora em conjunto, ora isolados, se mostraram “interferentes” na construção do gesto.

De que forma a produção do coletivo Del Puerto ao longo dos anos e a sua trajetória pessoal moldam as reflexões presentes no livro?

Sou o que se chama na teoria de observadora-participante. Assumi essa interface metodológica por vontade e por acreditar que, apesar de desafiador, seria muito mais favorável ao andamento da pesquisa. Nesse sentido, tudo foi importante, nada, excludente. Desde a formação no Conservatório de Música de Erechim, os 19 anos de trabalho como fisioterapeuta, a cena, a docência, a produção, a vida acadêmica… As experiências foram cruciais para a formalização dessa escrita.

Por fim, como você enxerga a contribuição do livro para as reflexões sobre o flamenco e para a cena local, tendo em vista que Porto Alegre é um polo dessa linguagem artística?

Fico muito emocionada de lançar “esse” livro. Era um sonho antigo. E fico mais emocionada de lançar “um” livro nesse contexto de exceção mundial que estamos vivendo. Costumo dividi-lo em três partes: primeiro, o resgate memorial da minha amada Del Puerto, inserida na cadeia artística e produtiva das artes no Brasil, porque geramos, há 21 anos, trabalho, renda, impostos, bens culturais continuados, pesquisa, acesso democratizado e inclusivo, e isso é fantástico!

Segundo, apontamentos políticos, culturais, históricos, sobre essa linguagem já difundida e praticada no mundo inteiro – mas considere que a decolonialidade se concretiza aqui, todos os dias, quando abrimos as portas e trabalhamos duramente. E por último e não menos importante, o estudo do gesto na especificidade da linguagem flamenca, material inédito, construído com a colaboração de muitas falas importantes.

Faço um convite a todas e todos para que leiam, descompromissados de um conhecimento prévio, nem muito menos um convívio direto com a linguagem. Gesto Flamenco é para todos.

Serviço

Lançamento do livro Gesto Flamenco (Edições Funarte), de Daniele Zill

Bate-papo da autora com Fabiano Carneiro, coordenador de Dança da Funarte; José Maurício Moreira, gerente de edições da Funarte; e do pesquisador Carlos Eduardo Drummond

17h, no canal de YouTube da Funarte

Encomendas do livro para todo o Brasil pelo e-mail da Livraria Mário de Andrade (Funarte): [email protected]
Preço: R$ 40,00

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