Dessa Ferreira celebra a música afro-indígena contemporânea em timbres, imagens e playlist
Cantora, compositora e multi-instrumentista, Dessa Ferreira lançou nesta quinta-feira (23/3) o clipe de Dois Mundos, que integra o projeto Dessa Ferreira – Música Afro-Indígena Contemporânea. A iniciativa reivindica o protagonismo negro e indígena na cultura brasileira e foi contemplada pela plataforma Natura Musical por meio da Lei Estadual de Incentivo à Cultura do RS (Pró-Cultura).
Com locações no Parque São Pedro, no Morro Santana, no bairro Bom Jesus e na zona rural de Porto Alegre, Dois Mundos conta com as participações dos músicos Bruno Amaral e Nina Fola nos vocais – parceiros de Dessa na composição da faixa. Dirigido pela realizadora Kaya Rodrigues, o clipe mescla referências de cosmogonias indígenas e africanas com um olhar para o cotidiano em seus momentos de alegria e revolta. A música e as imagens também abordam a comunicação com o mundo espiritual por meio de tambores rituais e do Ifá, sistema de divinação e conhecimento do povo Yorubá.
A faixa reúne Clarissa Ferreira (violino), Jordana Henriques (baixo), Lucas Fê (bateria), Wagner Menezes (guitarra) e o trio de atabaques formado por Gutcha Ramil, Nina Fola e Dessa Ferreira. A direção de fotografia é de Luis Ferreirah, e o elenco do clipe inclui – além de Dessa, Bruna e Nina – Daniel Cavalheiro, Mestre Churrasco, Raquel Kubeo, Ìdòwú Akínrúlí, Loua Pacom Oulai Oula e Vherá Xunú. A coordenação de produção do projeto é de Silvia Abreu.
“Estou em um momento de revelar muita coisa sobre mim a partir dessa busca por raízes ancestrais, que passa por apagamentos e silenciamentos, devido ao racismo e a uma sociedade que oprime matrizes e formas de viver tão diversas”, reflete a artista, que atualmente vive entre São Paulo, Porto Alegre e Brasília, cidade onde nasceu em 1989.
Ao longo de sua trajetória, Dessa encontrou na pluralidade da música brasileira uma forma de estreitar conexões com sua ancestralidade afro-indígena. Filha de piauienses que migraram para a capital federal, a cantora manteve contato com as origens familiares em viagens ao Nordeste e em meio às influências da região no Distrito Federal. “Cresci ouvindo xote, baião, Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Dominguinhos, Alceu Valença… Essa presença é muito comum e se mistura com as culturas sertaneja e do Cerrado”, conta Dessa, destacando ainda a aproximação com o bumba meu boi do Maranhão em Brasília.
Ainda vivendo no Centro-Oeste, Dessa conheceu Mestre Zé do Pife, pernambucano que lidera o grupo Mestre Zé do Pife e As Juvelinas e que ensinou Dessa a tocar os primeiros instrumentos de percussão. “Foi uma escola importante, brinquei muito com a música e aprendi muito brincando.”
O contato de Dessa com Porto Alegre começou em 2013, quando conheceu a também compositora e multi-instrumentista Gutcha Ramil em um projeto musical em Brasília. A parceria se consolidou com a companhia teatral Mamulengo Presepada, na qual Dessa, Gutcha e Kika Brandão eram responsáveis pela trilha sonora. Do encontro, nasceu o grupo Três Marias, atualmente formado por Dessa, Gutcha, Pâmela Amaro, Tamiris Duarte e Thayan Martins – relembre a entrevista sobre o clipe Santo Festeiro, lançado em 2020 pelo coletivo.
De passagem por Porto Alegre, onde as Três Marias se fixariam, Dessa se encantou com o curso de Música Popular da UFRGS, no qual se graduou entre 2014 e 2018. “Quando cheguei no Sul, tinha aquela impressão de um estado europeizado, mas me deparei com diversas resistências, inclusive indígenas – apesar de eu saber que o Brasil é um território indígena, não ouvia falar muito. Entendi que, na verdade, o que não havia era uma valorização dessas presenças, mas elas existem e fazem arte.”
Além de reunir profissionais negros e indígenas nas mais variadas atuações do projeto Dessa Ferreira – Música Afro-Indígena Contemporânea, a artista montou uma playlist com nove horas de duração feita por “artistas, grupos e coletivos negros, indígenas e afro-indígenas na atualidade – destacando a diversidade da produção feita no território Pindorama (Brasil)”.
“Temos muitos estereótipos e imaginários contorcidos em relação aos povos indígenas e à comunidade negra. Às vezes se coloca tudo numa caixa só. A ideia da playlist é apresentar diversidade e desencaixotar essas produções com a provocação de que a maioria dos estilos e gêneros têm essas raízes”, explica Dessa. “Não é porque sou negra que só vou tocar tambor, não é porque sou indígena que só vou tocar maracá. Transitamos por muitos estilos, até por sermos fundadores de muita coisa.”
Musicista há 15 anos, Dessa também atua como produtora musical e curadora de eventos e festivais. Em 2019, participou da curadoria do Unimúsica, realizado pela UFRGS, e em 2020, da Virada Sustentável Porto Alegre. Nesse mesmo ano, foi uma das contempladas pelo Programa Marielle Franco, do Fundo Baobá, que lhe proporcionou uma formação na área de áudio e tecnologia.
O projeto Dessa Ferreira – Música Afro-Indígena Contemporânea segue nos próximos meses com a publicação de lives e podcasts e os lançamentos dos clipes de Folha Sagrada, em abril, e Ọbàtálá, em maio. As duas faixas farão parte do álbum Pulso, que está sendo gravado por Dessa.