Devota da palavra, Letrux canta seu “Alfabeto Sonoro” no Porto Verão Alegre
A multiartista Letrux apresenta o espetáculo Alfabeto Sonoro nesta sexta-feira (12/1), às 20h, no Átrio do Farol Santander, integrando a programação de 25 anos do Porto Verão Alegre – confira os destaques do festival. Acompanhada de Thiago Vivas (piano e violão), a compositora canta e declama um repertório que combina canções e poemas de dezenas de autores.
“É um jogo divertido que envolve duas das minhas maiores paixões, música e literatura. Misturamos clássicos como Tom Jobim até Sheryl Crow. Gosto desse choque”, conta Letrux, que já mesclou ingredientes similares no espetáculo Línguas e Poesias e também encontra espaço para leituras nas turnês de seus álbuns.
O show em Porto Alegre será o segundo da cantora após uma cirurgia, realizada no final de outubro, para a retirada de um tumor no ovário. “Foi uma saga da espera, que é pior, né? Poderiam me abrir e achar malignidade. Mas foi uma coisa mais misteriosa: o tumor não era benigno nem maligno, era borderline. Para confirmar isso, demorou um mês. A espera foi quase tão dolorosa quanto o corte”, explica a artista, que em 16 de dezembro já estava de volta aos palcos – por ora, segundo ela, pegando leve nas estripulias de suas performances.
“No futuro, vou ter que tirar o outro ovário. Sou uma pessoa que, pelo visto, é propensa a ter questões nessa área. E tenho que fazer mais exames que uma mulher ou um homem trans normalmente precisa fazer. Mas tô bem, firme, forte e querendo trabalhar muito neste ano”, completa a cantora.
Entre os planos para 2024, ela destaca a retomada dos shows de Letrux Como Mulher Girafa, álbum lançado no último mês de junho – previsto para ser apresentado no Avante, em novembro de 2023, em Porto Alegre, o que não ocorreu por conta do procedimento ao qual Letrux se submeteu. A primeira data da turnê neste ano é 20 de janeiro, em Florianópolis, no festival Saravá.
“Desde o início da pandemia, comecei a me ligar em animais. Fui morar numa casa a duas horas do Rio, e lá tinha gambá, gato – sou alérgica, mas no final da viagem estava esfregando a cara no gato. Li A Revolução dos Bichos [de George Orwell], tentei ser vegana, não consegui, e comecei a anotar expressões no caderno – ‘desse mato não sai cachorro’, essas coisas. Foi um contato animalesco muito forte, que comecei a perceber na minha poética”, recorda Letrux.
Em As Feras, Essas Queridas, segunda faixa do trabalho recente, Letrux canta: Abri a caixa torácica/ Deixei sair as traças, deixei entrar as taras/ Essa foi minha ação de graças/ Ser feita serpente, sereia, com a gente/ Sua carne selvagem, só de sacanagem. Ao longo do álbum, a fauna de Letrux congrega formigas, zebras, crocodilos, leões, hienas e abelhas.
Em Aranha, o assombro do encontro com uma escultura de Louise Bourgeois leva a reflexões sobre cuidado e resiliência – nos versos que talvez mais tragam à tona a poeta contemporânea Letrux: Tava eu lá num museu na gringa/ Quando de repente vejo uma aranha gigabyte, gigabyte/ E lendo a explicação, vejo Louise Bourgeois dizer/ Que a família dela sempre foi de gente reparadora/ Gente que conserta tudo/ A aranha é uma reparadora, a aranha conserta tudo/ Se você cai na teia dela, ela não enlouquece/ Ela ajeita, repara, conserta.
“Sou devota da palavra. Onde a palavra estiver, eu vou estar. Se tá na literatura, quero a literatura. Se tá na música, quero a música. E acho que fundir isso é muito natural. Nos shows, desde o Letrux em Noite de Climão, sempre teve essa coisa de ler ou declamar. Admiro compositores como Bob Dylan, Patti Smith e Adriana Calcanhotto, que transitam por esse lugar do trovador, da poeta”, conta a autora de Zaralha – Abri Minha Pasta (Editora Guarda Chuva, 2015), assinado por ela como Letícia Novaes.
Nos shows, as palavras de Letrux ganham a consistência de seu corpo performático. Graduada em teatro pela Casa das Artes de Laranjeiras, ela atribui à formação sua intimidade com o palco. Recentemente, um curso de palhaçaria ministrado pela atriz e palhaça Rafaela Azevedo (Palhaça Fran) ampliou o contato da cantora e poeta com as artes cênicas.
“A Rafa me falou: ‘Letícia, nem sei o que você tá fazendo no curso, você já é palhaça’. Mas acho importante reafirmar alguns códigos, aprender novas dinâmicas. Você tem uma impressão que a palhaçaria vai ser só piada, mas não, é sobre nossos erros, falhas, fracassos”, reflete a artista.
“Não dá pra levar a vida tão a sério. No fundo, a gente é porra evoluída e vai virar carne moída. Durante esse intervalo, a gente também tem que se divertir. A palhaçaria me ajuda porque tenho a tendência de ser muito organizada, quase tirana. Sou muito responsável, pontual, Capricórnio. A palhaça no palco me permite ser boba, errar. Aliás, tenho pavor quando gritam ‘perfeita!’. Minha tentativa é totalmente ao contrário”, completa Letrux, que se descobriu Clowndia nas trocas com a Palhaça Fran.
Pergunto se a faceta mulher girafa – inspirada em seus 1,85m de altura e no poder de observação do animal – traz um pouco desse olhar que não leva tão a sério os holofotes e enxerga o que é demasiado humano. “Tem essa coisa da Letrux diva, mulherão. Mas será que não sou só um bicho que pensa? O disco dialoga com isso, mas teve gente que falou ‘a girafa nem é um bicho sexy’. Eu falei: ué, não é sexy pra você, mas pra outra pessoa pode ser. Ou talvez não quisesse um bicho sexy, mas um bicho espalhafatoso, estabanado, grandão, esquisito – mas lindo! –, que eu acho que sou um pouco.”
—
“Alfabeto Sonoro”, de Letrux e Thiago Vivas
Quando: 12 de janeiro de 2024, 20h
Onde: Átrio do Farol Santander (rua Sete de Setembro, 1028 – Centro Histórico – Porto Alegre)
Ingressos à venda no site do Porto Verão Alegre