Artes Visuais | Reportagens

Fernanda Chemale revisita trajetória na Galeria de Arte DMAE

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Fernanda Chemale revisita trajetória na Galeria de Arte DMAE "Passeantes", da série "ElefanteCidadeSerpente". Foto: Fernanda Chemale

Com 35 anos dedicados à fotografia, Fernanda Chemale apresenta um panorama de sua trajetória na exposição Ainda Ontem: Melodias ao Vento, na Galeria de Arte DMAE. A mostra reúne obras de 13 trabalhos da artista, exibidos em mostras e publicados em livro de 1991 e 2022.

“A Rua Suspensa”, na Galeria de Arte DMAE. Foto: Ricardo Romanoff

Logo na entrada da mostra, uma instalação apresenta A Rua Suspensa (2008-2013), com imagens de fachadas e personagens da Travessa Venezianos, em Porto Alegre. No corredor central da galeria, o viés documental da série produzida na Cidade Baixa dá lugar a um olhar para rastros da vida cotidiana em ElefanteCidadeSerpente, trabalho produzido ao longo de 17 anos (1991-2008). No mesmo corredor, os pontos de vista se ampliam na série inédita Entre Perspectivas (2022), que mescla apropriações de imagens aéreas do Google Earth e capturas obtidas no dia a dia de Chemale – ambos os conjuntos fotografados com a câmera de um telefone celular.

Foto da série “ElefanteCidadeSerpente”. Foto: Fernanda Chemale

“Chemale ainda sente a pressa de fotografar antes que o mundo acabe. E aqui a artista entrega-se ao vento, de olhar inquieto, não dispensando o teatro e o absurdo do mundo. O que importa é que a visão de Chemale é um enigma, um mapa, um suspiro diretamente apontado à magia da nossa existência”, define a pesquisadora e artista portuguesa Ângela Berlinde, curadora da exposição.

Ainda Ontem também traz uma retrospectiva do envolvimento da artista com a cena roqueira do estado. As imagens mais antigas são do projeto Rock, Luz, Velocidade (1991). Há ainda fotografias do livro Tempo de Rock e Luz (2004, com Flávio Wild e Paola Oliveira), da série em andamento Retratos Clássicos do Rock Gaúcho (2012-) e de Lory Flash (1996), que homenageia a cantora Lory Finocchiaro (1958 – 1993). “Entre 1991 e 1993, eu conheci a Lory, sua música e sua batalha contra o vírus da AIDS. Ela viu em mim, além de uma amiga, alguém que poderia perpetuar sua memória enquanto produzia muito – e sua vida teria um tempo breve. Passei a fotografar os shows que ela produzia com muito cuidado e afinco. Na apresentação seguinte, fazíamos uma exposição em xerox”, relembra Chemale – leia a entrevista a seguir.

Lory Finnochiaro. Foto: Fernanda Chemale

A mostra reúne ainda, entre outras séries, 20 retratos construídos por Chemale e pela poeta Gisela Rodriguez em Desordem (2015) e retratos que outros fotógrafos fizeram de Chemale na série Rastros d’Eus, apresentada na comemoração de 10 anos do FestFotoPoa em 2017, ano em que Chemale completou 30 anos como fotógrafa. “Confesso que, na época, foi duro me deparar com a própria imagem em exibição”, conta a artista. “Penso que o retrato é um meio de comunicação com a energia das pessoas e um entregar mútuo”, completa Chemale, que tem obras em coleções de instituições como MASP (Coleção Pirelli), MAM-Rio e MACRS.

Fernanda Chemale. Foto: Titus Riedl

Leia a entrevista com Fernanda Chemale.

Como foi o processo de concepção da exposição? 

Ainda Ontem: Melodias ao Vento é uma exposição realizada em parceria com a Galeria Studio C. O espaço disponível para exibição na Galeria de Arte DMAE foi um fator importante para trazer à tona os 35 anos de trajetória. Sua amplitude e compartilhamento abriram possibilidades. Temos quatro corredores e muitas intersecções de idas e vindas e movimentos transversais que, com um pequeno deslocamento, sugerem novos pontos de vista. A participação da curadora portuguesa Ângela Berlinde enche de afeto e dá um brilho especial, dialogando com a expografia de Marco Fronckowiak. Decidi trabalhar com cópias já exibidas nas exposições realizadas e copiar apenas o que estava inédito, no caso de Entre Perspectivas.

Wander Wildner em foto da série “Retratos Clássicos do Rock Gaúcho”. Foto: Fernanda Chemale

Nos conta um pouco sobre a seleção de fotos relacionadas à cena rock do RS.

Decidi abordar o rock em quatro tempos. A seleção se desenhou com os arquivos ampliados que eu tinha das exposições Rock Luz Velocidade e Tempo de Rock e Luz e do trabalho em andamento Retratos Clássicos do Rock Gaúcho. Entre retratos e shows de Tempo de Rock e Luz, se impuseram as fotografias de shows dos anos 1990, por sua energia pujante e pela abundância de imagens. Foram captadas em negativo preto e branco 35mm, com poucas capturas em cor. Tinha um interesse em fotografar os shows e a vibração dos artistas em cena. 

Rock Luz Velocidade foi minha primeira exposição com o tema rock em preto e branco. Marcou também um estilo de captura com velocidades baixas e distorção das imagens por movimentos. Exibida no Porto de Elis, causou muito impacto na época, em especial por não tratar a imagem de show como documentação, mas sim buscando uma ficção, relacionando as figuras a personagens de livros e arquétipos.

Entre 1991 e 1993, eu conheci a Lory Finocchiaro, sua música e sua batalha contra o vírus da AIDS. Ela viu em mim, além de uma amiga, alguém que poderia perpetuar sua memória enquanto produzia muito – e sua vida teria um tempo breve. Passei a fotografar os shows que ela produzia com muito cuidado e afinco. Na apresentação seguinte, fazíamos uma exposição em xerox, em lugares especiais como o Porto de Elis e a Companhia das Lendas.

A curadora Ângela Berlinde sugeriu que usássemos um pano, e eu lembrei do pano que a Joana Alencastro produziu para a exposição Lory F. – Você Vai Ser Obrigado a Me Escutar (2021), exibida na Casa de Cultura Mario Quintana. De Lory Flash, são retratos e fotos de shows de Lory e sua F.Band. A exposição foi montada por ocasião do lançamento do CD Lory F.Band, que produzimos entre muitas mãos, em especial, com Deborah Finocchiaro e Laura Finocchiaro, sempre com a participação especialíssima do King Jim (Ricardo Cordeiro). 

Eu fotografo o projeto Clássicos do Rock Gaúcho, da Orquestra de Câmara da ULBRA, com regência do maestro Tiago Flores. Me senti à vontade para fazer retratos com os músicos convidados. Em 2012, foi uma espécie de revival, mas percebendo que a sinergia vibrava. Rapidamente montei a série Retratos Clássicos do Rock Gaúcho, toda em preto e branco, evocando uma espécie de saudosismo, mas totalmente contemporâneo, que esteve no Portfolio em Foco do Festival Paraty em Foco. Esses retratos eu faço ainda hoje, não tenho uma exposição nem um inventário completo desta produção. Nesse caso, a escolha se colocou com as expressões e com o envolvimento com os músicos através do tempo. São quatro retratos: Edu K, Júpiter Maçã, Carlos Eduardo Miranda e Wander Wildner.

Retrato de Rochele Zandavalli (Alice) na série "Desordem". Foto: Fernanda Chemale
Retrato de Rochele Zandavalli (Alice no País das Maravilhas) na série “Desordem”. Foto: Fernanda Chemale

Os retratos estão presentes nos trabalhos ligados à música e em séries como Desordem Rastros d’Eus. Gostaria que você comentasse esses dois projetos. 

Desordem, livro e exposição, é um projeto que surge do encontro com a poeta Gisela Rodrigueze ganha estofo com a produtora Liége Biasotto, além da equipe maravilhosa com quem tive o prazer de trabalhar, como Flávio Wild, Marco Fronckowiak, Daniel Lion, entre outros, além de todos os artistas que emprestaram suas figuras aos personagens criados para dialogar com os poemas da Gisela. 

Esse tipo de produção, montada em locações de Porto Alegre, com criação e produção de personagens, é como um resgate da minha história com o cinema, que foi por onde comecei, passando pelo teatro, que documentei muito, e pela literatura e ficção que sempre permeiam a minha obra. Criamos 20 personagens e os conectamos às pessoas que os encenariam. Todas estão de algum modo ligadas à nossa história. Para cada personagem criamos um significado e uma relação – a série pode ser visitada aqui.

Rastros d’Eus surge de uma provocação do artista Alexandre Antunes olhando para o meu fazer fotográfico e a minha obra. Ele fez um retrato meu do lançamento de ElefanteCidadeSerpente. Era em contraluz, mas a expressão corporal falava muito de mim. Em 2008, ele sugeriu que eu fizesse uma exposição só com fotos minhas. Pratiquei muito com selfies, mas aquela provocação se manteve durante esses quase 10 anos, e aos poucos fui construindo retratos com amigos fotógrafos. Em 2017, o FestFotoPoa fez 10 anos e o tema era “Celebrando Amigos”. O curador Carlos Carvalho me convidou para apresentar um trabalho e eu juntei as imagens para celebrar os amigos e meus 30 anos de fotografia, numa mostra no Centro Cultural CEEE. Confesso que, na época, foi duro me deparar com a própria imagem em exibição. Por fim, penso que o retrato é um meio de comunicação com a energia das pessoas e um entregar mútuo. 

Retrato de Gisela Rodriguez (Ophelia) na série “Desordem”. Foto: Fernanda Chemale

Na Galeria de Arte DMAE, chama atenção também a forma como você explora outros formatos, utilizando objetos e propostas instalativas.

A utilização de outros formatos foi muito incentivada pela curadora Ângela Berlinde, com as possibilidades dos cubos oferecidos pela galeria, a necessidade de apresentar a nova série Entre Perspectivas e a possibilidade de o espectador olhar para baixo. Utilizar outros formatos e a forma modular já está presente no meu trabalho desde muito tempo, percebo isso com mais força na montagem desta exposição. 

Foto da série “ElefanteCidadeSerpente”. Foto: Fernanda Chemale

O teu olhar para o espaço urbano ganha destaque em séries como ElefanteCidadeSerpente e A Rua Suspensa. Poderia nos falar um pouco sobre elas?  

ElefanteCidadeSerpente registra o meu cotidiano em deslocamento. Sempre de um ponto de vista não convencional, observando os detalhes por onde as pessoas tenham passado e deixado rastros, mas sem aparições. Foi um trabalho que demorou bastante tempo para ser construído.

A Rua Suspensa fala de um lugar, a Travessa Venezianos, na Cidade Baixa. Um espaço central de Porto Alegre, mas que lembra uma rua do interior. Aborda o patrimônio histórico e a poética que o lugar tem, com todas as suas histórias. É fruto de um convite para participar de uma mostra em comemoração aos 70 anos da Associação Chico Lisboa, em 2008, em uma exposição coletiva chamada Travessa Venezianos: Construções no Tempo, com curadoria de Zoravia Bettiol. Era sobre um lugar específico, mas o trabalho resultou em um potencial lúdico e de memória.

Por fim, na série mais recente da exposição, você trabalha com apropriações. Poderia nos falar um pouco sobre Entre Perspectivas? 

É o reflexo da minha contemporaneidade. Queria que o meu trabalho estivesse alinhado com o meu tempo. Tenho fotografado muito com a câmera do celular. Decidi assumir isso e encarar um trabalho utilizando essa linguagem. Ao mesmo tempo, iniciei uma pesquisa com imagens do Google Earth, também através do celular. O motivo de cada imagem está também diretamente ligado à conexão da rede e minhas relações.

Ainda Ontem: Melodias ao Vento, de Fernanda Chemale

Em exibição até 14 de outubro de 2022
Local: Galeria de Arte DMAE (rua 24 de Outubro, 200 – Independência – Porto Alegre/RS)
Quando: segunda a sexta-feira, 8h às 17h30; sábado, das 14h às 18h

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