Juremir Machado da Silva

O homem morreu

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O homem morreu Foto: Marko Milivojevic/Pixnio

Faz tempo, ouviu-se o anúncio. Era no tempo do impresso. Foi num prédio não muito longe da bolsa de valores que tudo aconteceu. Num templo do saber acadêmico. Tudo isso numa bela tarde solene:

– O Homem está morto.

Não houve grande alarde. A maioria pensou tratar-se de algum desconhecido. Não deu bola. A frase foi repetida com mais ênfase.

– Que homem? – perguntou, enfim, uma mulher.

– O Homem.

Percebendo a entonação que colocava o “h” em maiúsculas, houve burburinho. A coisa mudava nitidamente de figura. Restava explicar a situação. A mesma mulher considerou relevante pedir esclarecimentos.

– O gênero?

Um homenzinho franzino de macacão azul e tímido exaltou-se:

– A classe? A categoria?

Não recebeu resposta.

Um banqueiro – com certeza era banqueiro – calculou:

– O ser humano?

Um intelectual – era, sim, um intelectual, não havia como errar, via-se isso de longe – brilhou pela circunspecção:

– O conceito.

Ouviu o barulho do ponto de interrogação batendo no chão. O Homem morreu. Viva o homem. Na sequência, todos os erros do Homem, inclusive essa supressão da mulher no designativo conjunto – foram listados. O Homem foi condenado por crime de humanismo doloso.

– Que rápido – disse o intelectual – era uma invenção recente.

– O Homem não é o centro do universo – afirmaria um promotor.

– Nem a medida de todas as coisas – concordaria o juiz.

Essa sintonia não foi notada na hora.

Um homem insignificante resolveria contrariar:

– Só o homem pode anunciar conceitualmente a morte do homem – disse.

– Isso é o que determina o antropoceno – ouviu.

– Os direitos das demais espécies só podem ser garantidos pelo homem.

– O humanismo é um especismo – disseram-lhe.

– Até para se diminuir e assumir sua ínfima dimensão no universo, senhores, é preciso que o homem use um metro qualquer – reagiu.

– Especista.

– O homem é a medida de todas as coisas, inclusiva da sua insignificância – disse, sentindo que sua voz ressoava mais alto.

Se era guerra, ia lutar. Era muito tarde para recuar:

– Os objetos também têm direitos – ouviu.

Ia retrucar quando uma bala perdida o achou.

– Mataram um homem – ouviu-se na esquina.

Um idoso, certamente um sábio, resumiu:

– O Homem é o homem, suas circunstâncias e o artigo que o acompanha.

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