Juremir Machado da Silva

A era da militância

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A era da militância Foto: Fernando Torres/CBF

Primeiro a esquerda disse que isenção, imparcialidade, neutralidade e objetividade são impossíveis. Sim, foi principalmente a esquerda, para criticar a mídia, que é de direita por custar caro e exigir capital para investir e manter o negócio funcionando. Disse e repetiu tanto isso que todo mundo, ou quase, acreditou. Até mesmo a direita. E, claro, a esquerda. Faz pensar na ideia de que uma mentira repetida mil vezes se torna verdade. Não é necessariamente verdade, mas se consagrou como tal. Agora já era.

Às vezes, porém, alguém se contradiz e cobra isenção, neutralidade, imparcialidade e objetividade da justiça e até mesmo do jornalismo. Claro que é só um efeito reverso da memória, do treinamento, da ideologia, algo assim. Certo é que essa suposta impossibilidade cerebral, cognitiva, da natureza humana, enfim, agora vale como dogma. Disso resultou o passo seguinte, em curso: todo mundo está obrigado a assumir um lado, o seu lado. Com isso os militantes atingem o seu objetivo: tornar todo mundo militante.

Se todos têm um lado, por que criticar a parcialidade de um dos lados? Porque cada lado espera que o outro se converta ao seu. Verdade não é mais algo exterior ao observador, independente do sujeito, mas o que coincide com a sua opinião. Como me dizia um leitor quando minha opinião batia com a dele: “Hoje o senhor foi isento”. A imparcialidade é, de fato, impossível? Há quem tente provar que não. É um exercício fadado ao fracasso. O interlocutor, defensor da ideia de que se trata de uma impossibilidade intrínseca ao humano, pede um exemplo. O infeliz dá. O outro responde: “Isso não é imparcialidade”. Todo exemplo será rejeitado do mesmo modo. E assim não haverá como refutar a tese, que se autoprovará à exaustão.

O exemplo gaúcho mais corriqueiro é este: sou colorado, mas se o árbitro não marcar um pênalti evidente para o Grêmio, eu denuncio. Ah, diz o oponente, isso não é imparcialidade. É o que então? Qualquer coisa, menos imparcialidade. Um arroubo, uma bobagem, uma demonstração de panaquice, coisa de “justino” no jargão do futebol. A impossibilidade de ser imparcial tem a ver com a inexistência de uma definição de imparcialidade. Toda definição passa a ser apenas a opinião de alguém, logo não tem validade como parâmetro objetivo.

A última aposta na objetividade, na imparcialidade, na neutralidade e na isenção seria o VAR. Só a tecnologia teria essa capacidade justamente por não ser humana. Deu errado. O VAR precisa de humanos que o interpretem. E a Inteligência Artificial? Nova esperança. Por enquanto, muitas mentiras foram identificadas. Os fanáticos pela IA, contudo, dizem que não são mentiras, mas somente ignorância de quem não sabe como funcionam as IAs. Assim entramos na era da militância. Nela, como no seu habitat mais natural, as redes sociais, só a pegada firme, a convicção, a certeza, têm valor. A primeira vítima da era da militância é a verdade, que passa a ser apenas um ponto de vista. Por exemplo, sobre o formato da Terra ou sobre o mosquito da dengue. Opa, neste caso, não. Só que isso, claro, não prova nada e nada tem a ver com verdade, objetividade, etc.

Não se deve confundir.

Como diz o outro, hahaha…

A prova de que isenção, objetividade, neutralidade e imparcialidade existem é que, volta e meia, são praticadas.

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