O socorro da língua
Estaciono o carro medianamente burguês no posto de gasolina deste bairro meio nobre da cidade, rodeado por um comércio ainda pujante e que já transcende a conveniência, apesar da pandemia e sua recessão vigente. Estou em trânsito. Ficarei o tempo suficiente para abastecer. Abro a janela e ele me pergunta, em português ininteligível, mas o qual, com a ajuda de seu olhar triste e de seus gestos soltos, consigo entender, como uma mãe – ou um pai – de boa vontade com a mímica de uma criança. Então, respondo em francês qual e quanto de gasolina eu quero, ou seja, que complete com aditivada.
Superrrr, ele diz, carregando o sotaque no erre. Então, sinto que as minhas e as nossas palavras o socorrem como uma mão estendida, um bálsamo, um anestésico ou um curativo, nessa espécie de salvamento linguístico improvisado. E olha que, diante de um haitiano quase recém-chegado, nem chegamos a adentrar a sua língua crioula materna. Mas, pelo sorriso que permanece, mesmo depois de passar uma água ensaboada ao longo de todo o vidro, uma língua-madrasta parece ali bastar.
[Continua...]