Nathallia Protazio
Nathallia Protazio, escritora
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A desistência

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A desistência Arquivo pessoal
Quase desisti do mestrado. Após a banca de qualificação, preparada e aguardada com tanto carinho e vivida com tantas angústias, se seguiu um momento de extrema abertura. Todas as opiniões apresentadas deviam ser atendidas. Como havia opiniões divergentes e algumas mesmo conflitantes, entrei num limbo de confusão. A confusão intelectual, alimentada por um evento externo emocional no meu âmbito de convívio íntimo que me bombardeava de opiniões negativas sobre mim mesma e se prestou com muita eficácia a minar minha energia e autoestima. Duvidava de cada palavra escrita no meu projeto de dissertação. Eu não estava mais aberta de uma maneira autocrítica e permeável à minha banca, estava escancarada a qualquer opinião sem a capacidade de reflexão e triagem. Quando tudo o que não é teu te serve mais do que o que tu tem, então não se tem nada. O conhecimento, sua criação criativa e transferência entre os indivíduos de uma coletividade, pode utilizar diversos meios. A nossa maior ferramenta de comunicação é o próprio corpo. A performance é esta metodologia ousada entre a oralidade e a escrita, que se permite utilizar o corpo de formas efêmeras e repetidas, através de tradições como forma de elo para passar de uma geração a outra, de forma viva e transformada a cada novo ciclo, um saber. Assim, o conhecimento transformado pelo método de comunicá-lo, seria, o que a cultura africana analisada por Patricia Hill Collins (2019) chama de sabedoria, um conhecimento provado e testado pelo passar do tempo ancestral. Scholastique Mukasonga (2017) conta de suas práticas sociais, de todas as maneiras, gestos e atitudes de sua mãe Stefania dentro do corpo social de resistência de ruandesa em exílio. A forma como suas atitudes repetidas eram a única maneira de escrever sua cultura na memória das filhas e nesta forma viva de escrita, nesta forma viva de lhes contar histórias ao redor do fogo acreditar que esta forma de viver continuaria após sua morte iminente.  Assim, não eram só as palavras que esta pessoa íntima do meu convívio usava para me comunicar que meu texto era estrangeiro à academia, que minha forma de pensar e escrever uma dissertação não encaixava no seu padrão normativo, portanto não era válido. Suas palavras sozinhas não teriam tanta força. Junto às palavras vieram as ausências físicas, a aspereza de contato, o vazio de aceitação e afeto. Onde a palavra amarga de negativismo é abundante e o abraço ausente, a energia e a autoestima se minguam como uma lua de forma natural. A saúde é um reflexo de nosso corpo bem integrado na comunicação social de nosso convívio em coletivo. Dançar, cantar, gastar-se o tempo que se tem em conjunto é inscrever memórias de gestos e defender nossa forma de ver e viver. Minha saúde foi pelo ralo. A estima necessária para mantê-la estava migrando, sugada pelas paredes, pelo concreto e azulejos de um apartamento pequeno demais para quem eu tinha me tornado. Duvidar de meu texto, um texto escrito sob um signo filosófico encarnado em mim […]

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