Nathallia Protazio
Nathallia Protazio, escritora
Agora Vai

Eu já quis ser homem

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Eu já quis ser homem Arquivo pessoal
Tenho a impressão de sempre ter sido atrasada nas coisas. Aprendi a falar aos dois anos de idade e a andar de bicicleta aos oito, no mesmo ano que entrei na escola. Meu primeiro beijo aconteceu aos 16, quando todas as minhas amigas já se iniciavam no sexo. Eu não tenho muita certeza do porquê, mas acredito que nunca tive pressa. Gosto de aproveitar cada pequena sensação e se tiver sorte algum novo aspecto sobre mim mesma se revela. Não queimar etapas me trouxe ótimas oportunidades de autoconhecimento. Foi assim com minha escolha de gênero no início da faculdade. O que hoje identificamos como atitudes machistas, durante bastante tempo eu sentia como grandes-injustiças-de-merda-que-só-acontecem-comigo. Claro, muito disso por falta de maturidade e visão de mundo. Foi com essa imaturidade e um caminhão de limitações que eu entrei na faculdade de Farmácia em 2009. Logo no primeiro semestre por uma bobagem qualquer fui deixada de lado pelas meninas da turma e, como uma exilada, fui ao encontro do grupo oposto: os meninos. O destino primeiro de todo estrangeiro numa nova comunidade é a adaptação. Eles eram divertidos, sabiam rir, brincar e levarem uma vida leve enquanto conseguiam os melhores resultados. Não digo assim, os melhores mesmo. Mas entre sacrificar todo o meu tempo para ser o primeiro lugar e ser a segunda colocada com toda aquela diversão e popularidade, com certeza eu queria o segundo lugar. Eles eram despojados, festeiros, distraídos, legais, enturmados e malandros. Em pouco tempo eu já queria ser um homem. Minha adaptação foi muito mais fácil do que eu imaginei. Em alguns meses éramos um organismo vivo. Fazíamos tudo juntos. Estudo, bar, risadas, conversas, aulas de laboratório, piadas, festas. Eu tinha sido aceita. Encontrava enfim meu lugar no mundo, um cantinho tranquilo e confortável de existência. Tão tranquila estava que nem percebi os sinais. Até aquela manhã quente de fim de novembro. Tínhamos todos terminado a primeira prova do dia e ainda faltavam três horas para a próxima, que seria prática em dupla, ou seja, moleza. A escolha era fácil: bar ou… bar. Eu já estava pronta pra uma gelada quando um dos meus companheiros parou o movimento do grupo, olhou pra trás e soltou a frase que mudaria tudo: ‘‘Hoje não. Hoje vamos ter um papo de homem’’. Como assim? ‘‘Papo de homem’’. O que isso quer dizer? ‘‘Quer dizer que você não vem junto’’. Quem ele pensava que era pra me excluir daquele jeito? Eu também sou parte do grupo, eu também quero ir, eu também quero conversar, eu também sou um homem. E ignorando totalmente minha angústia eles seguiram o caminho sem mim. A dor e o vazio que aquela frase abriu dentro de mim me jogou num estado involuntário de isolamento. Eu estava mais uma vez sozinha. Rejeitada pelas meninas, agora também pelos meninos. Não sabia o que fazer. Afinal, o que eu era? Passei os dias seguintes em silêncio dentro de um vácuo profundo. Observando meus antigos irmãos de longe. Recolhia detalhes de […]

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