Discurso de Chico Buarque no Camões
Glória nacional, Chico Buarque recebeu, enfim, o seu Prêmio Camões. Entre os membros do comitê que o escolheu esteve o nosso Antônio Hohlfeldt, professor da PUCRS, jornalista, diretor do Theatro São Pedro, crítico literário e de teatro. Chico, além de compositor, grande poeta da MPB, tem romances e peças de teatro. Não sou fã da sua literatura na mesmo medida em que sou apaixonado por suas letras. Para mim ele é o maior poeta brasileiro vivo. Eu lhe daria o Nobel da literatura pelas suas composições. Nesse quesito para mim ele é melhor do que Bob Dylan.
Quantos poetas escreveram assim:
“Ah, se já perdemos a noção da hora Se juntos já jogamos tudo fora Me conta agora como hei de partir
[…]
Se nós nas travessuras das noites eternas Já confundimos tanto as nossas pernas Diz com que pernas eu devo seguir.”
O discurso de Chico Buarque no Camões é um primor de precisão e de ironia. O final é um punhal cirúrgico: “Valeu a pena esperar por esta cerimônia, marcada não por acaso para a véspera do dia em que os portugueses descem a Avenida da Liberdade a festejar a Revolução dos Cravos. Lá se vão quatro anos que meu prêmio foi anunciado e eu já me perguntava se me haviam esquecido, ou, quem sabe, se prêmios também são perecíveis, têm prazo de validade. Quatro anos, com uma pandemia no meio, davam às vezes a impressão de que um tempo bem mais longo havia transcorrido”.
O iletrado capitão Bolsonaro recusou-se a chancelar o prêmio para Chico Buarque. Tomou o troco em alto estilo: “No que se refere ao meu país, quatro anos de um governo funesto duraram uma eternidade, porque foi um tempo em que o tempo parecia andar para trás. Aquele governo foi derrotado nas urnas, mas nem por isso podemos nos distrair, pois a ameaça fascista persiste, no Brasil como um pouco por toda parte”. Toma!
E o grande final para quem, como Bolsonaro, não viu a banda passar: “Hoje, porém, nesta tarde de celebração, reconforta-me lembrar que o ex-presidente teve a rara fineza de não sujar o diploma do meu Prêmio Camões, deixando seu espaço em branco para a assinatura do nosso presidente Lula. Recebo este prêmio menos como uma honraria pessoal, e mais como um desagravo a tantos autores e artistas brasileiros humilhados e ofendidos nesses últimos anos de estupidez e obscurantismo”.
Parece letra de Chico Buarque:
Hoje, porém, nesta tarde de celebração,
Me reconforta lembrar que o capitão,
Com seus longos sermões,
Teve a rara fineza,
Certeza, certeza,
De não sujar o diploma
Do meu Prêmio Camões…
Tambor tribal
O prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, concedeu entrevista ao Matinal e revista Parêntese. Foi sabatinado por Marcela Donini, Carlos Caramez, Luís Augusto Fischer e moi. Levou na boa o aperto dos entrevistadores sobre sua relação com bolsonarismo, não se ofendeu ao ser questionado sobre o tratamento jocoso de “Sebastião Melnick” e me garantiu, com bom humor, que não vai privatizar o pôr do sol.
Parêntese da semana
Uma homenagem ao grande Aníbal Damasceno Ferreira, colega do Luís Augusto Fischer na UFRGS, meu professor e depois colega na Famecos, mestre de uma geração de cineastas, guru de quem se dispusesse a ouvi-lo, peripatético, machadiano, rosiano e tudo mais que fosse inteligente.
Frase do Noites
“O pior político é aquele que acredita que só faz política”.
Imagens e imaginários
No “Pensando Bem”, na FM Cultura 107,7, com Nando Gross e eu, o convidado foi o médico e escritor Gilberto Schwartsmann. Uma conversa descontraída e bacana sobre Marcel Proust, arte, modernismo e muito mais.
Escuta essa
“Grândola, Vila Morena”, a canção de Zeca Afonso que serviu de senha para a “Revolução dos Cravos”, que em 25 de abril de 1974 pôs fim à ditadura em Portugal. Um clássico de beleza engajada pela liberdade.