Juremir Machado da Silva

Barbie, maravilhosamente cínico

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Barbie, maravilhosamente cínico Divulgação

Fomos ao cinema. A primeira vez desde o longínquo 2019. O filme escolhido para a reestreia foi Barbie, dirigido por Greta Gerwig, com Margot Robbie e Ryan Goslig. Cinema de shopping center.

Que fazer? O filme não poderia ser melhor. Muitas surpresas nesta volta. A primeira delas na chegada. Não existem mais as tradicionais bilheterias. Avanço extraordinário do capitalismo. Agora, compra-se pela internet ou com a multifuncional caixa do barzinho da pipoca e da Coca-Cola. Nada se perde, tudo se redimensiona. É sabido que o forte de Hollywood é vender até mesmo a mais corrosiva crítica a… Hollywood. Barbie faz parte da série Show de Truman. Cinismo total, deliciosamente impiedoso consigo mesmo, daí o sucesso absoluto.

Como diria o mago da Sociedade do espetáculo, Guy Debord, na sua 12, de 1967, “o espetáculo não diz nada além de, o que aparece é bom, o que é bom aparece”. Barbie aparece. Funciona em seis níveis: 1) sátira impiedosa do patriarcado, o reino dos machos, apresentados como brigões, supérfluos, chorões, extensões do cavalo, apaixonados pelos próprios músculos, fáceis de enrolar e, ao mesmo tempo, canalhas sempre que possível. 2) Manifesto feminista espetacular, com mulheres empoderadas, rápidas nas críticas, certeiras nos alvos a atingir. 3) Zombaria implacável em relação ao politicamente correto, com suas novas palavras, tipo neurodivergente. 4) Ataque frontal e cínico (para faturar) ao próprio capitalismo, mostrando a hipocrisia das corporações, comandadas por machos, mas se dizendo feministas ou até femininas, sem esquecer a própria Mattel, criadora da boneca Barbie e produtora do filme (Ruth Handler, a mulher que inventou a Barbie, aparece falando dos seus problemas com o pagamento de impostos).

Por fim: 5) Desmontagem do mito do corpo feminino perfeito encarnado pela Barbie original, chamada de “Barbie estereotipada”, a mulher sem celulite, com medidas inverossímeis e disposta a servir docilmente os Ken (homens). 6) Ataque final aos novos tabus com uma piadinha sobre apropriação cultural. Pacote completo, da sátira sobre o machismo à comédia sobre a humanidade no estágio pós-colonial. Barbie, em certo sentido, faz delação premiada. Hollywood (interpretando o capitalismo do entretenimento) confessa o que é e ganha dinheiro com isso. Fortalece-se ao mostrar suas fraquezas. Tudo por dinheiro. O público ri. Há muito eu não ria tanto diante de uma tela. Pena que não fui de rosa. Mas entrei na caixa da Barbie.

Quem (Ken) nunca?

     

Esquerdo-machos estão resistindo ao filme. Se fala da Barbie, não pode ser bom. Se é bom, não poderia ter a Barbie. Além disso, tem a marca de Hollywood. Machões de direita resistem fazendo beicinho por não aceitar que zombem dos seus cavalinhos (pocotó, pocotó, pocotó, aiê, Silver) e das suas arminhas. O texto do filme Barbie é genial. Uma peça prontinha para análise nas disciplinas de “estudos culturais”. Barbie vem ao mundo real e descobre que a realidade não cabe numa caixa. Meninas já não brincariam com bonecas Barbie por tomada de consciência do papel deletério do brinquedo, que teria atrasado em 50 anos o avanço da emancipação da mulher. Antigamente quem atrasava a emancipação do proletariado era o Pato Donald.

Final feliz? Final aberto. Ou das virtudes do cinismo.

Barbie é imperdível.

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