Juremir Machado da Silva

BBB 24, Wanessa Camargo e Guy Debord

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BBB 24, Wanessa Camargo e Guy Debord Foto: Globo/Paulo Belote/Instagram

Não vou ao Big Brother Brasil. Ele vem até mim. Vi o primeiro. Tinha 28 anos de idade. Nem havia entrado na idade da razão. Hoje, sexagenário, evito a nostalgia. O BBB24, porém, já me atingiu. Recebi de várias fontes a mesma informação: Wanessa Camargo citou Guy Debord no BBB. Debord é um dos autores que mais leio. Posso dizer que sou um conhecedor de sua obra, A sociedade do espetáculo. Já o citei milhares de vezes. Escrevi artigos acadêmicos e jornalísticos sobre ele. Este é o primeiro em que o cito junto com Wanessa Camargo.

Já o apresentei assim:

Não conhecem Guy Debord? Ele foi um sonhador, um louco, um visionário. Fundou uma “Internacional Situacionista”, em 1957. Dez anos depois, publicou um livro, A Sociedade do espetáculo. Em 1994, suicidou-se. Eu continuo achando que ele se matou ao perceber que suas ideias estavam certas, caso raro entre intelectuais.

Debord intitulava-se “doutor em nada”, conhecia quase todos os tipos de cerveja e de polícia da Europa. Foi cineasta (fez até filme sem imagens) e, acima de tudo, um militante da estética. Queria acabar com a “separação”, a separação entre o palco e a plateia, o produtor e o produto do seu trabalho, a ação e a contemplação. Debord queria que cada um fizesse da sua vida uma obra de arte. Defendia que cada um se fizesse protagonista da sua vida.

Na sociedade espetacular, contudo, somos cada vez mais contempladores e menos atores. Vivemos por procuração.

Deixamos de jogar para ver jogar. Transferimos para as celebridades a vivência das grandes emoções. Achamos nossa vida pequena demais. Apostamos na grandeza da existência das estrelas.

O valor máximo é a visibilidade, a aparência, a imagem, o simulacro. Não é por acaso que a top-model é (era) o padrão a ser seguido pelas jovens. Guy Debord denunciou o caráter dogmático do espetáculo: “O espetáculo se apresenta como uma enorme positividade, indiscutível e inacessível. Não diz nada além de ‘o que aparece é bom, o que é bom aparece’. Exige, por princípio, uma atitude de aceitação passiva, a qual, de fato, ele já obteve por sua maneira de aparecer sem réplica, por seu monopólio da aparência”. Na mosca. No ângulo.

O espetáculo não discute. Por que algo aparece? Porque é bom. Por que algo é bom? Porque aparece. E quem não aparece? Preciso responder? Toda crítica é negatividade. Só critica quem foi rejeitado pelo espetáculo. Ninguém pode rejeitar o espetáculo.

Em consequência, qualquer crítica só pode ser produzida pela inveja e pelo ressentimento. É um raciocínio circular e primário. O espetáculo tornou-se o valor social maior, o que Debord cristalizou na sua tese mais famosa: “O espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas mediada por imagens”.

O indivíduo seduzido pela lógica espetacular assume a positividade do espetáculo. Toda crítica bate e volta, deslegitimada previamente como rancor diante da rejeição pelo espetáculo. Faz parte dos sistemas doutrinários ou religiosos antecipar qualquer oposição como resistência ao bem. Nem à crítica ao espetáculo escaparia disso.

Guy Debord não poderia suportar uma sociedade na qual a legitimidade de um argumento é medida pelo número de seguidores (followers) no twitter, que virou X. O espetáculo preenche o tempo vazio de pessoas que, entregues a si mesmas, não iriam além de um papo sobre a temperatura. Daí a importância social da previsão do tempo nos telejornais e do futebol. O espetáculo é o êxtase na gozo do outro. Um pouco mais de Debord: “O agente do espetáculo posto em cena como vedete é o contrário do indivíduo, o inimigo do indivíduo, tanto em si próprio como, evidentemente, nos outros”. Saia do sofá. Viva.

Ou fique para ver Wanessa Camargo no papel de intelectual e Yasmin Brunet como exemplo vivo de todas as teses de Guy Debord.

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