Juremir Machado da Silva

Dois poemas decadentes

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Dois poemas decadentes A poesia morreu? | Foto: Freepik

Viver

Eu estive lá onde não podia
Estive ali onde ninguém via
Carregava sonhos nas mãos.

Estive onde não imaginava.
Ali onde a vida jorrava,
Enquanto o sol se recolhia.

Estive talvez noutra esfera,
Aos olhos tristes da fera,
Num bosque de tantas ilusões.

Era ali que semeavam grãos,
Uns eram dourados como pão,
Ou se esfarinhavam no azul.

Guardei a memória do vento,
Um gosto desse sal do Sul,
O riso que não soneguei.

Então, um dia, quando voltei,
Ouvi a voz do tempo me dizer:
Foi isso, só isso, você viveu.

*

A morte da poesia

Um homem de terno e gravata,
Exibindo o brilho do sapato,
Me disse com sua voz grave:
“A poesia morreu. Em frente”.

Nunca soube do que ele falava,
Se do local da morte da poesia,
Se de coragem para suportar,
Ou somente da “vida que segue’.

Soube que poesia soa antigo,
Que poesia moderna não rima,
Que poeta não brinca com prima,
Que a poesia atual é discreta.

Mais do que isso, é secreta,
Quase um bom dia no ônibus,
Sem jamais levantar a voz,
Sem qualquer cena atroz.

Justo um sussurro à passante,
Por vezes alguém de turbante,
Uma imagem à contracorrente.

Sobretudo me disse um doutor,
A poesia contemporânea é arte,
Só cabe se fizer a sua parte,
Ou seja, se fizer a gente rir.

Com o atestado de óbito na mão,
Foi buscar consolo na prosa.
Era uma prosa poética do cão.

Nesse dia de luto, morri.
Em seguida, ressuscitei.
Ando por aí, poeta vago,
Onde ponho mais uma vírgula?

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