Juremir Machado da Silva

É Carnaval

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É Carnaval Carnaval na Cidade Baixa (Júlia Barth/Matinal Jornalismo)

Enquanto o pessoal preparava o carnaval da Bento Figueiredo, no coração do Bom Fim, nada como dar uma olhada no passado, apenas para passar o tempo olhando no retrovisor da história. Vale reler, por exemplo, o “Diário de uma viagem ao Brasil”, de Maria Graham. Ela conta suas impressões do que viu em Pernambuco, na Bahia e no Rio de Janeiro no final de 1821 e no começo de 1822. Estava no Rio em 9 de janeiro de 1822, “Dia do Fico”, mas não chegou a ouvi-lo. 

Sobre a Bahia: “Mas, na melhor das hipóteses, os confortos dos escravos serão precários. Aqui não é raro conceder a um escravo a alforria quando ele está muito velho ou muito doente para trabalhar, i. é, pô-lo pela porta a fora para mendigar ou morrer de fome. Há poucos dias, ao voltar de um pic-nic, um grupo de cavalheiros encontrou uma pobre negra em estado miserável, jazendo à margem da estrada. Os cavalheiros ingleses recorreram aos companheiros portugueses para que lhe falassem e a confortassem, pensando que ela os entenderia melhor. Mas eles disseram: “Oh! É só uma negra, vamos embora!” E assim fizeram, sem querer saber mais dela. A pobre criatura, que era uma escrava despedida, foi levada para o hospital inglês, onde morreu dentro de dois dias. Suas doenças eram idade e fome. Os escravos que vi trabalhando na distilaria, pareciam magros, e, deveria dizer, esgotados. Mas informam-me que só durante os meses de distilação eles parecem assim, e que nas outras épocas são tão gordos e alegres como os da cidade, o que será muito bom. Eles têm aqui uma igrejinha e um cemitério, e como veem que a sorte deles ê a sorte de todos, ficam tão consolados quanto podem ficar os escravos”. 

Gilberto Freyre cravou: “A verdade, porém, é que nós é que fomos os sadistas; o elemento ativo na corrupção da vida da família; e muleques e mulatas o elemento passivo. Na realidade, nem o branco nem o negro agiram por si, muito menos como raça, ou sob a ação preponderante do clima, nas relações do sexo e de classe que se desenvolveram entre senhores e escravos no Brasil. Exprimiu-se nessas relações o espírito do sistema econômico que nos dividiu, como um deus poderoso, em senhores e escravos”. Na linguagem de Freyre “passivo” quer dizer subjugado. Nem clima nem raça definiram, segundo ele, o que somos ou o que fomos. Olhar no espelho do passado faz até rir sobre o presente. Maria Graham tira uma deliciosa conclusão a partir de um jantar:

“Afinal, estando reunidos todos os nossos amigos, voltamos à varanda para jantar. A julgar pelo cardápio da festa, tão misturadas eram as produções de cada clima, dificilmente poderíamos dizer em que parte do mundo estávamos, não fosse a profusão de abacaxis e bananas, comparada à pequena quantidade de maçãs e peras para no-la lembrar. Como é comum em tais ocasiões, os mais velhos habitantes do Brasil preferiram o que vinha de fora, enquanto nós todos demos preferência às produções do país”. Quando levo um francês para jantar, ele anseia por caipirinha de cachaça. Brasileiro pede logo uma de vodca.


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Deve ser por isso que teremos treinador estrangeiro na seleção. A história do Brasil pode ser resumida, numa homenagem a Nelson Rodrigues, em cães de guarda (xenófobos) e vira-latas. Só que os vira-latas verdadeiros são simpáticos brasileiros sem obsessão pelo que vem de fora. Talvez nosso complexo seja de cachorro com pedigree.

[Continua...]

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