Juremir Machado da Silva

Jornalismo e internet casam bem?

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Jornalismo e internet casam bem? Foto: Ashni/Unsplash

Minha primeira experiência com computadores deu-se em 1987, na Zero Hora. A partir de 1992 sempre tive um computador da Apple em minha mesa. Perdi a conta dos modelos que possuí a partir do Classic. Quando voltei da França para Porto Alegre, corri atrás de uma conexão internet. Consegui graças a uma start-up (não se falava assim na época) chamada Conex. Em 1993, em Paris, comecei a acompanhar as movimentações de meus colegas André Lemos e Federico Casalegno, fundadores, na Sorbonne, Paris V, do Gretech, um grupo de estudos sobre tecnologia. Tomei conhecimento da atividade intelectual de um Pierre Lévy e de um Joël de Rosnay, pioneiros ousados nessa área do ponto de vista das ciências humanas e da abordagem transdisciplinar.

No fim do milênio, com meu colega de PUCRS Francisco Menezes, publicamos livros com títulos que falam por si: “Para navegar no século XXI: tecnologias do imaginário e cibercultura”, com textos de feras como os próprios Pierre Lévy, Joël de Rosnay, André Lemos, Federico Casalegno e mais Jean Baudrillard, Michel Maffesoli, Paul Virilio, Lucien Sfez, Gianni Vattimo e outros. Era o momento de um hype quase sem oposição. Depois, viria, com Dominique Wolton, a crítica à ideologia tecnicista em “Internet, e depois?” Wolton falava em regulação. Era apedrejado. Menezes e eu publicamos também o livro “A genealogia do virtual: comunicação, cultura e tecnologias do imaginário”. Fiz parte, por muitos anos, chegando a ser vice-coordenador, do GT Comunicação e Cibercultura, da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação”, da qual fui vice-presidente. Enfim, tenho passado a vida estudando a “cibercultura”.

Tudo isso para chegar a esta tese provocativa: internet e jornalismo ainda não se entendem bem. Mas terão de se entender cada vez mais. A internet só aceita o jornalismo em duas situações: se ele estiver atrás de uma marca muito forte (um portal como UOL, uma grife como New York Times); ou se puder ser convertido em entretenimento (humor, leveza, brincadeira). O restante patina. Paradoxalmente a internet, as redes sociais e tudo que elas carregam é o regime das marcas, da performance, da competição, do prestígio, sendo tudo medido, contado, comparado. Bom é o que tem mais seguidores, curtidas, replicações, etc. Darwisnismo digital absoluto. Internet é também o regime do riso fácil. Tudo o que não fizer rir e não estiver ancorado em marca apanha. Sério, não. Salvo se representar alguma causa muito específica e militante.

O jornalismo, como saber acumulado, é o regime da moderação, da exposição e do pluralismo, ainda que empresas não sigam o manual. O militante racionaliza; o jornalista busca a razão; o militante encobre, o jornalista descobre; o militante justifica, o jornalista expõe a contradição. Há uma campanha de esquerda e de direita tentando dizer que todo jornalista é um militante. Fake news. A diferença aparece rapidamente. O militante cobra do adversário o que encobre no seu campo; o jornalista cobra dos dois pelo mesmo critério. Nas redes sociais, o jornalista virou “isentão”. Mais uma estratégia para exigir que o jornalista se torne militante. Porém, cada campo cobrará do jornalista não ser isento, ou seja, militar no campo oposto.

Nessa pegada, o comentarista de futebol precisa assumir um clube para cativar os seus torcedores. Jornalismo pode e deve ser mais descontraído, mas não se confunde com entretenimento. A sua meta principal não é fazer rir. E não há mau humor nisso. Há separação. Por enquanto, o entretenimento dá de goleada no jornalismo da internet. Quem não entra no jogo é desqualificado como ultrapassado. Um aspecto curioso diz respeito aos gestores de redes sociais e adjacências, operadores do Google Analítico, que seriam capazes de fazer algo dar certo na internet (dizer internet é considerado simplório). É confundir indexação com promoção. Em geral, serve para dizer o que está bombando ou alvejar um público bem definido. Mas jornalismo não é falar do que está sendo falado nem se contentar com uma tribo. É falar do que ainda ninguém falou e que precisa ser revelado. Nessas combinações quem ganha quase sempre é o gerenciador, que evita as parcerias por resultado, preferindo garantir o seu de modo fixo.

Tudo isso, sem ironia, é importante, mas não é o decisivo. O mais importante continua sendo ter algo novo a dizer. E dizer isso da maneira mais eficaz possível, de preferência leve, porém, sem perder o peso, a profundidade, o significado, o valor, a própria definição.

Jornalismo continua sendo: contar o que alguém gostaria de silenciar; fazer falar do que ninguém estava falando por desconhecimento; descobrir o que alguém tem interesse em manter encoberto; produzir informações de modo profissional, o que custa dinheiro e deve ser pago por alguém (as vaquinhas, mesmo com nome em inglês, não dão conta a partir de certo patamar de cobertura, profissionalização e alcance, restando a publicidade e o cliente para pagar a conta, que sempre chega); produzir diferença substancial.

Jornalismo e internet são incompatíveis? Claro que não. O campo se amplia, oportunidades surgem, cresce a autonomia, viceja o contraponto, mas também as bolhas, a parcialidade e o modelo único do fazer rir, tomar o lugar do fato, dar-se o papel de protagonista.

Jornalistas têm vivido a ilusão de que podem fazer sucesso na internet praticando o que sabem e gostam. Não rola assim. Para muitos, que querem fazer jornalismo sem concessões, é o fim da linha.

De resto, nada contra o entretenimento. O novo tempo exige uma nova linguagem jornalística. Ainda assim, o jornalismo não pode se suicidar. Ele não se resume ao marketing nem à distração. O tempo do formalismo passou. Gol não precisa ser narrado de gravata. Eu mesmo, em meus longos anos de debates esportivos, sempre busquei o tom divertido, a ponto de que meus parceiros de programa me detestavam muitas vezes por não levar o futebol a sério. É só passatempo mesmo.

A nova linguagem jornalística, porém, ainda precisa nascer.

A estética de vídeo sapatênis dos coaches não é suficiente para ir além do caseirismo do que se produz no aconchego dos lares.

Matinal já é uma exceção que poderá fazer história.

Cabe, porém, fazer da internet o lugar natural do jornalismo.

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