Juremir Machado da Silva

Bruno Latour, adeus ao algoz dos modernos

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Bruno Latour, adeus ao algoz dos modernos Foto: Reprodução bruno-latour.fr
Considerado pelo prestigioso New York Times como o mais influente filósofo francês do século XXI, Bruno Latour morreu neste domingo, aos 75 anos de idade. Em 2017, em Paris, eu o entrevistei sobre os principais temas das suas pesquisas e sua visão de mundo singular. “O objetivo da ciência não é produzir verdades indiscutíveis, mas discutíveis” Considerado um dos principais nomes do pensamento francês contemporâneo, especialista em tecnologia e em filosofia da ciência, professor no mais do que prestigioso Instituto de Ciências Políticas de Paris, conhecido como “Sciences Po”, professor convidado permanente na Universidade Harvard, Bruno Latour (1947) tornou-se famoso pelo desenvolvimento da teoria ator-rede (TAR), segundo a qual atores humanos e não humanos interagem e se influenciam reciprocamente, e por teses contundentes como a expressa no ensaio “Jamais fomos modernos”. A modernidade, no entender dele, apesar de sua ambiguidade, pressupunha uma separação entre humano e não humano, sujeito e objeto, política e ciência. Latour nos recebeu no MédiaLab, seu laboratório de pesquisa no antigo prédio da Escola Nacional de Administração (ENA), em Saint-Germain-des-Prés, onde funciona o ISP. Depois de terminar uma entrevista sobre eleições na França para a revista de esquerda Nouvel Obs, ele nos levou para um típico café parisiense onde se entregou com fervor ao jogo de entrevistado. Com uma agenda brutal, ele só marca palestras com um ano de antecedência. JMS – O senhor trabalhou bastante com filosofia da ciência. Existe ainda hoje, de parte do grande público, uma concepção ingênua do que seja verdade científica? Por outro lado, pode existir uma ortodoxia científica fechada a novos métodos e ideias como dizia o físico Paul Feyerabend no seu livro famoso Contra o método? Bruno Latour – As coisas mudaram bastante desde os tempos de Paul Feyerabend, que eu li. As pessoas já não esperam das ciências verdades definitivas. Passamos da confiança total à dúvida absoluta. É pena, pois as ciências são meios de produção de verdade no mundo. É preciso não ser ingênuo nos dois sentidos e ter confiança nas instituições respeitando a fragilidade científica. Há resultados certos e seguros. As ciências são muito mais poderosas do que dizem os seus críticos e muito mais frágeis do que pensam os ingênuos. JMS – As ciências humanas podem produzir resultados indiscutíveis? Latour – O objetivo da ciência não é produzir verdades indiscutíveis, mas discutíveis. Nem as ciências naturais e exatas produzem verdades indiscutíveis. As ciências sociais realizam perfeitamente o trabalho de gerar verdades que possam ser discutidas. Elas são como as demais ciências e em certos aspectos até mais exigentes. A antropologia é muito mais exigente que muitos ramos da psicologia, da economia e da geografia. O objetivo é produzir discussões públicas normatizadas. JMS – Quando se pensa na ciência em relação à religião, à fé, parece pertinente. A fé é indiscutível. O conhecimento racional, não. Mas como fazer quando uma corrente das ciências sociais sustenta uma coisa e outra corrente sustenta o contrário. Quem terá razão? Latour – A “discutabilidade” dos argumentos faz parte do trabalho […]

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