Juremir Machado da Silva

Desembarque da Carris

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Desembarque da Carris Foto: Fernanda Leal/Arquivo PMPA
E assim se encerra uma história centenária. A Carris foi vendida pelo prefeito Sebastião Melo, como se dizia não faz muito tempo em linguagem de quem anda de ônibus, a troco de banana. Tanto que a secretária Ana Pellini, encarregada da liquidação do patrimônio de Porto Alegre, teve seu momento de sincericídio: “Foi ruim para nós”, disse em entrevista à Matinal. Imaginem para a cidade! Já era. Deu pra ti.

Como não sou comunista, nada tenho contra o privado. Como não sou neoliberal, nada tenho contra o público. Depende do negócio, do setor, dos objetivos, do serviço. Enquanto a Europa roda para o transporte público gratuito, como fará Montpellier a partir de dezembro deste ano, ou altamente subsidiado, como fazem grandes capitais, a exemplo de Paris, Porto Alegre vai de marcha à ré. Quer privatizar tudo e entregar a gestão pública ao mercado. É pura mediocridade, falta de ideias, incapacidade de gestão, motor fundido.

A compradora da Carris é a empresa Viamão, aquela dos ônibus azuis batendo lata que ligam o município vizinho à capital gaúcha. Conhecida por atrasos, preços altos e ônibus ruins, a Viamão ganhou a Carris de bandeja. Poderá inclusive pagar parte da dívida adquirida devolvendo dois terrenos que fazem parte do negócio. Ana Pellini surpreendeu-se com a falta de interessados. É que transporte público deve ser público. Quem não entende isso, rifa patrimônio de uma cidade. Mas as privatizações vão acabar. Não haverá mais o que vender.

Até o liberal prefeito Nelson Marchezan Júnior tinha ideia melhor do que presentear a Carris a algum empresário. Queria criar uma tarifa de valor mínimo e cobrir os custos totais com contribuições empresariais. Melo realizou o mais antigo sonho dos adversários da ideia de bem comum gerido em comum: passou a Carris nos trocos.

E bota troco nisso! Uns trocados. Será lembrado como o prefeito que entregou a Carris, durante muito orgulho de Porto Alegre, por meia dúzia de pilas. Será lembrado também pela tentativa fracassada de privatizar a Redenção. A população vetou. Tenho longa experiência andando de ônibus em Porto Alegre. Até pouco tempo, pegava cinco por dia. O serviço da Carris, apesar do sucateamento, ainda era o melhor.

Tenho dito: se puder, Melo privatiza o pôr do sol, que certamente, na avaliação do seu secretariado, também é deficitário.

Porto Alegre vem perdendo o bonde da história faz tempo, desde que trocou o transporte público elétrico pelo ônibus movido a combustível fóssil. Pode-se alegar que, na época, isso era sinônimo de modernidade. A velha e antiquada Europa não embarcou nessa. O moderno gestor porto-alegrense é o típico personagem da sacolinha plástica, que acha prática, limpa, fácil de usar, descartável. E a natureza?

A natureza que se vire, ora!

E assim, como um resto de sol e de público, chegamos ao fim.

A Carris se foi.

Com um sorriso zombeteiro, o popular profetiza: “Com a Viamão no comanda, agora vai!” Ah, que vai, vai. Para onde, José?

Para o brejo.

Continua...

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