Juremir Machado da Silva

Esperando Godot com Alabarse

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Esperando Godot com Alabarse Foto de Vilmar Carvalho

Um dos diretores de teatro mais consagrados do Rio Grande do Sul, Luciano Alabarse sabe revisitar os textos mais marcantes. No Teatro Oficina Eva Sopher, no Multipalco São Pedro, a sua montagem de Esperando Godot, clássico de Samuel Beckett, tem o seu sopro de novidade. No elenco, Sandra Dani, Janaína Pellizon, Arlete Cunha, Lisiane Medeiros e Valquíria Cardoso. Figurinos de Zé Adão Barbosa. Em casa, ouvi uma voz me dizendo “vá ao teatro”. Fomos. O que se vê? Muito. Por exemplo, o exuberante trabalho das atrizes. Arlete Cunha, como Pozzo, está simplesmente fantástica. Nota mil.

Luciano Alabarse dá sequência a uma tradição de montar Godot só com mulheres, o que foi feito por Antunes Filho, em 1976, com Eva Wilma, Lilian Lemmertz, Lélia Abramo, Maria Yuma e Vera, e por Gabriel Vilela, em 2006. Ver “Esperando Godot” num 6 de maio funciona também como uma homenagem à grande Cacilda Becker, uma das primeiras atrizes brasileiras a viver papel na peça de Beckett. Ela e Walmor Chagas foram dirigidos por Flávio Rangel. Em 6 de maio de 1969, no palco, em São Carlos, ela teve um AVC e precisou ser internada, vindo a morrer em 14 de julho daquele ano. Godot é uma das maiores expressões do teatro do absurdo. Luciano salpica o cenário de referências aos dilemas atuais. Show. Voltamos com Stockhausen na cabeça.

Porto Alegre teve uma das primeiras montagens de Godot no Brasil, em 1969, por obra de Luís Carlos Maciel. Escrita originalmente em francês, a peça de Beckett, que vi em Paris, nos anos 1990, e em São Paulo, nos anos 1980, continua a nos interpelar: afinal, o que estamos fazendo aqui? Neste lugar onde deputadas votam contra um projeto de lei para realmente equiparar salários de homens e melhores exercendo mesmas funções? Godot não virá.

Bravo, Luciano!

Lula e Julian Assange

Em Londres para a coroação do rei Charles III, o presidente Lula deitou e rolou. Para ficar nas metáforas futebolísticas que ele tanto gosta e sabe usar como poucos, jogando fora de casa, no país que inventou o ludopédio, fez gol de letra ao criticar a prisão de Julian Assange: “É uma vergonha que um jornalista que denunciou a falcatrua de um Estado contra outro esteja preso e condenado a morrer em uma cadeia”. No Brasil, nos últimos anos, quantos jornalistas perderam o emprego por denunciarem a estupidez do governo de Jair Bolsonaro, que levou ao 8 de janeiro e à chinelagem da falsificação de carteira de vacinação? Lula está certo. Assange expôs os podres dos donos do poder mundial. Nunca será perdoado. O que ele faz se chama de jornalismo: publicar o que se quer esconder.

Mortes em série

O autor morreu nos anos 1960. Parece que foi assassinato. Principais suspeitos: os críticos literários estruturalistas, uma turma que tinha suas razões. Pronta a obra, a vida do autor não interessava. Os leitores não ficaram sabendo. A obra faleceu não faz muito. Os autores ainda não receberam a notícia. A poesia tem sido declarada morta ano após ano. Os poetas, contudo, continuam a praticá-la como quem semeia fantasmas. Sou um deles. Cada vez mais. Para desespero dos que não me aceitam como criador.

Vivi em Paris como quem morre

Entre livros, quadros e passantes,
Vivi em Paris como quem corre,
Entre mulheres com seus turbantes,
Estranhos com as suas amantes,
E o céu cinza me beijando a nuca.

Sempre soube que viveria ausente,
Como se estivesse noutra parte,
Do outro lado da rua, em frente,
Olhando sombras dalguma arte.

Morri quando cheguei sozinho,
Era um domingo de solzinho
A luz pontilhava os telhados,
Impressão, sol tão distante.

Não sofri, nunca amaldiçoei,
Havia a chuva como parceira,
Nesses dias onde andava não sei.
Sei que era em Paris, quinta-feira.

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