Juremir Machado da Silva

Homenagem a Jean Baudrillard

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Homenagem a Jean Baudrillard

Há muitos anos, quando era jovem e acreditava na ironia, traduzi textos de jornal de Jean Baudrillard, de quem fui amigo e admirador, para o livro Tela Total, que saiu primeiro no Brasil e só depois na França. Sonhei com JB e com o trecho que segue. Ele foi um gigante.

A informação no estágio meteorológico

Há muito tempo que a informação ultrapassou a barreira da verdade para evoluir no hiperespaço do nem verdadeiro nem falso, pois que aí tudo repousa sobre a credibilidade instantânea. A informação é mais verdadeira que o verdadeiro por ser verdadeira em tempo real – por isso é fundamentalmente incerta. Para retomar a teoria recente de Mandelbrot, podemos dizer que, tanto no espaço da informação ou no espaço histórico quanto no espaço fractal, as coisas não têm mais uma, duas ou três dimensões: flutuam numa dimensão intermediária. Nada mais de critérios de verdade ou de objetividade, mas uma escala de verossimilhança. 

Lançada a informação, enquanto não for desmentida, será verossímil. E, salvo acidente favorável, nunca sofrerá desmentido em tempo real; restará, portanto, credível. Mesmo desmentida, não será nunca mais falsa, porque foi credível. Contrariamente à verdade, a credibilidade não tem limites, não se refuta, pois é virtual.

Estamos numa espécie de verdade fractal: assim como um objeto fractal não está mais a uma, duas ou três dimensões (em números inteiros), mas a 1,2 ou a 2,3 dimensões, também um acontecimento não é mais necessariamente verdadeiro ou falso, mas oscila entre 1,2 ou 2,3 oitavos da verdade. O espaço entre o verdadeiro e o falso não é mais um espaço de relação, mas um espaço de distribuição aleatória.

Poderíamos dizer o mesmo do espaço entre o bem e o mal, o belo e feio ou entre a causa e o efeito. Mesmo a sexualidade evolui numa curiosa dimensão intermediária – nem masculino nem feminino –, mas a 1,5 ou a 1,7 alguma coisa entre os dois (de onde a impossibilidade de sustentação de um estatuto da diferença sexual, por falta de definição). O princípio de incerteza não depende somente da física, situa-se no coração de todas as nossas ações, no coração da realidade. Essa situação de instabilidade e essa incerteza generalizada determinam os fatos, os acontecimentos e a interpretação deles rumo a um estágio que poderíamos chamar de meteorológico, que nada mais tem a ver com a imprevisibilidade natural dos elementos, dos ventos e das intempéries, mas sim com a indemonstrabilidade inconsciente oriunda da própria perfeição do cálculo e da informação.

Tomemos as previsões meteorológicas na televisão. Os apresentadores fizeram delas um jogo televisual. Nos dados dos satélites que servem de álibi científico, procuram a amarração ideal: o que satisfaria o público sem contradizer muito os acontecimentos. Presos entre a instabilidade dos fluxos atmosféricos e a das expectativas coletivas, o que gera um caso quase político, buscam mais ou menos conscientemente adaptar-se a tudo isso, dia a dia, em modelos de simulação efêmera.

Assim, o boletim meteorológico talvez possa ir de encontro ao que vemos pela janela, mas é verdadeiro em simulação, posto que deriva dos diversos dados de um cenário modelo onde entram muitas outras considerações estranhas à meteorologia. O apresentador levará em conta os erros nas previsões da véspera, o fato de que o tempo não poderia ser ruim três fins de semana seguidos (a população não o suportaria), e também, claro, o aspecto objetivo da aproximação de uma depressão ou do anticiclone – fato tão frequentemente desmentido que não poderia ser determinante. Em conclusão, o grau de pertinência da informação meteorológica está no conjunto inferior ao de uma intuição normal e que precisamos acrescentar diariamente à incerteza poética do céu.

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