Juremir Machado da Silva

Minuta do golpe

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Minuta do golpe Ex-ministro da Justiça e Segurança Pública de Bolsonaro, Anderson Torres (Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil)

Só faltava o recibo. Agora já tem. A minuta do golpe, encontrada na casa do ex-ministro da Justiça de Jair Bolsonaro, o policial federal Anderson Torres, é o famoso batom na cueca. A imagem é velha, machista, desgastada, assim como o golpismo anticomunista da época da Guerra Fria que anima o fascismo tropical dos bolsonaristas. Quem será o autor do texto? Jair Bolsonaro não pode ser por uma única razão: está fora do seu alcance intelectual e das suas competências, ainda mais o juridiquês desse tipo de documento, mesmo para um coice nas instituições. O capitão do golpe não escreve a ata. Tem alguém para essa missão. O próprio Torres? Não é de duvidar. A ironia é livre, um pouco de humor alivia a tensão pós-golpe furado: pelo “no que pertine”, expressão que aparece nessa “prova material de preparação de delito”, segundo me disse um importante jurista, poderia ser até de Sérgio Moro. O ex-chefão da Lava Jato não teria motivos para tal, salvo um exercício tardio de genuflexão, ou, no extremo, uma manifestação ideológica. Especulações.

Façamos outras especulações. Se, para desgraça do Brasil, o capitão do cartão corporativo mais usado em padaria e na compra de quentinhas tivesse vencido a eleição e a esquerda, inconformada com o resultado, invadisse, quebrasse e defecasse no Congresso Nacional, no Supremo Tribunal Federal e no Palácio do Planalto, o que estariam dizendo esses defensores do “bom senso” e da conciliação que se multiplicam nas redes sociais pedindo calma e liberdade de expressão?

De que eles chamariam os invasores a não ser de terroristas? Parece que juridicamente falando a invasão não pode ser caracterizada como terrorismo pelo modelito legal brasileiro. Para variar, a lei foi mal redigida. O terrorismo bolsonarista, que pretendia explodir bomba em Brasília na época do Natal, acabou em certa banalização do crime por pessoas “de bem”: velhinhos, entupidos de fake news, iludidos pelo zap, manipulados pelo capitão mentiroso e sua tropa de velhacos, participando de atos de vandalismo, depredando prédios públicos, danificando obras de arte, comportando-se como bandidos de ocasião.

Mas tinha velhinha com ficha na polícia também. Além de políticos fracassados, de radicais descerebrados e de patriotas cevados como gansos com ideologias enfiadas na goela como se fossem a última flor da pureza cívica. De quem é a culpa? De Jair Bolsonaro e dos militares que não agiram, não mandaram embora os acampados que pediam golpe em frente aos seus quartéis e ficaram sonhando com o pior para, como em 1964, apresentarem-se na condição de supostos salvadores da pátria, que enterraram por mais de duas décadas, com cassações arbitrárias de parlamentares, tortura, mortes, censura e tudo mais.

Bolsonaro queria o golpe por ter sido golpista a vida inteira e por não querer ficar longe das facilidades do cartão corporativo. Claro que Anderson Torres vai negar até a morte que tenha recebido o beijo do golpe nas partes íntimas. Faz parte do roteiro. Ele conhece o riscado. Consta que voltou dos Estados Unidos sem o celular. Terá esquecido? A família vai enviá-lo por algum serviço expresso? E assim, como um resto de passado insepulto, o Brasil viu o golpismo voltar como tragicomédia: militares tomando água de coco com os invasores, dando passagem aos terroristas, fingindo não ver o trem passar.

Refugiado nos Estados Unidos, se duvidar, daqui a pouco, foragido, Bolsonaro caiu da cama: o golpe fracassou. As instituições resistiram. No meio do caminho havia Alexandre de Moraes…

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