Juremir Machado da Silva

Moral, pô, imagens do Brasil

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Moral, pô, imagens do Brasil Golpistas invadiram Congresso, STF e Palácio do Planalto em 8 de janeiro (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

No livro “A transparência do mal – ensaio sobre os fenômenos extremos”, o pensador francês Jean Baudrillard, de quem tive a alegria de ser amigo e a quem recebi três vezes em Porto Alegre, diz que a imagem antropológica mais bela do século XX poderia ser a de um homem, num dia de greve, contemplando a sua televisão vazia. A imagem brasileira mais bela do século XXI é a de Lula subindo a rampa do Planalto com oito representantes da diversidade nacional: uma cozinheira, um operário, um indígena, um professor, uma catadora, um jovem influenciador com paralisia cerebral, um artesão e um menino negro. Além, claro, da cadela vira-lata Resistência. Podemos dizer, Resistência somos nós, Resistência sou eu, Resistência é o Brasil.

Cerimônia de posse do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva no Palácio do Planalto (Foto: Tânia Rego/Agência Brasil)

Essa bela imagem logo seria atropelada pelas tristes figuras dos fascistas bolsonaristas depredando os palácios dos três poderes. A cena do homem apunhalando com sete golpes a tela “As mulatas”, de Di Cavalcanti, ficará com uma das imagens mais grotescas da barbárie bolsonarista. A imagem do homem de bunda de fora derrubando o relógio trazido por D. João VI para o Brasil marca o momento exato em que a estupidez quis vencer a cultura. Em meio a tudo isso, outra imagem, no sentido oposto, é de arrepiar: a Polícia Legislativa, com efetivo reduzido, barrando o avanço da horda de terroristas. O coordenador de linha estimulava a sua pequena e brava tropa com palavras de ordem:

– Mantém, mantém, mantém!

Às vezes, a instrução era de uma objetividade absoluta, traduzindo o perigo que enfrentavam diante das câmeras de vigilância:

– Baixem as viseiras, baixem as viseiras, fecham os escudos.

Uma palavra do jargão desse tipo de grupo ia e voltava como a expressão inabalável de uma atitude que só poderia colher aplausos:

– Moral!

A palavra chegava até nós, telespectadores distantes, como força, coragem, cabeça erguida, atrás dos escudos, não cedam.

– Moral, pô.

O acréscimo desse atalho coloquial parecia exprimir um instante de desânimo diante de qualquer hesitação humana, muito humano, naquele momento em que a manada dos falsos patriotas escoiceava, bufava e atacava selvagemente com o que encontrava pela frente. A expressão e a cena contrastam com a de militares tomando água de coco com invasores ou indicando caminho, já dentro do Palácio, aos vândalos tresloucados. Diante desse quadro inverossímil, mas terrivelmente verdadeiro, a raiva sobe pelo peito e dá vontade de berrar a plenos pulmões:

– Imoral, pô!

A guarda que decidiu e conseguiu barrar o avanço da horda decidiu cumprir o seu dever até o último esforço. O mal estava diante dela, transparente, absurdo, atroz, quase gratuito, e não havia tempo para se espantar. A democracia pedia socorro. Aqueles verdadeiros patriotas podiam até cantar, “verás que um filho teu não foge à luta”.

– Moral!

Moral da história: a coragem venceu.

Aos invasores se poderia usar a palavra de ordem, que ainda ressoa em nossos ouvidos, na voz incansável do seu emissor, literalmente, como uma reprimenda que não admite réplica nem mimimi:

– Moral, pô.

Cambada.

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