Juremir Machado da Silva

Polêmica na eleição da UERGS

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Polêmica na eleição da UERGS Foto: Divulgação
Em 1923, há cem anos, os gaúchos partiram para uma guerra civil por causa de uma regra eleitoral. A Constituição de 1891 dizia que para ser reeleito presidente do Estado era necessário obter o “sufrágio de três quartas partes do eleitorado”. Borges de Medeiros concorria ao terceiro mandato consecutivo, o quinto da sua vida. A oposição, derrotada, entendia que eram três quartas partes de todo o eleitorado habilitado para votar. Borges e o seu Partido Republicano Rio-Grandense defendiam que eram três quartas partes dos eleitores que tivessem ido votar. Estará acontecendo algo parecido na eleição para reitor da Universidade de Estado do Rio Grande do Sul (UERGS)? Tem polêmica no ar e na justiça.

Em 25 de novembro de 1922, segundo o próprio Borges de Medeiros, votaram “138.598 eleitores; deixaram de votar 129.092; total: 267.690 eleitores inscritos; três quartas partes desse total são: 200.766; mas votaram no candidato à reeleição 106.360 eleitores”. A situação alegava que a oposição defendia um contrassenso. Esta, por seu turno, garantia que a situação só queria se perpetuar no poder, numa ditadura com eleições de fachada. O edital das eleições na UERGS diz, no item 9.2, que “para efeito de contagem dos votos de cada segmento do colégio eleitoral será aplicado um fator de ajuste definido como o quociente entre os votos válidos e o total de votantes habilitados a votar em cada segmento”. Os referidos segmentos são professores, funcionários e alunos, em regime de paridade: 33% de peso para cada setor. Mais o ajuste? Ou sem o ajuste?

Acontece que em 2018 o fator de ajuste não foi aplicado. Ganhou o professor Leonardo Beroldt. Vencedor, ele não reclamou da não utilização do fator, mas garante que, se tivesse sido usado, ele teria uma vitória um pouquinho mais folgada. Os derrotados também não apresentaram recurso na época. Passados quatro anos, Beroldt concorreu à reeleição. Sem, novamente, a aplicação do fator de ajuste ganhou Luciano Andreatta (chapa 1): 50,9% a 49,1%. Com a aplicação do fator o resultado se inverteria: 51,6% (chapa 2) a 48,64. Beroldt recorreu à Comissão Eleitoral e ao Conselho Universitário. Perdeu. Foi à justiça. Perdeu na primeira tentativa. Ganhou liminar na segunda. A principal alegação de Luciano Andreatta é que, se Beroldt não reclamou quando ganhou, não pode reclamar ao perder. Desembrulhar essa disputa não parece tarefa muito fácil.

Beroldt defende que não usar o fator de ajuste significa valorizar a abstenção. Segundo ele, votaram 80% dos professores e dos funcionários, dando vantagem a ele. Os alunos votantes não teriam passado de 36%. Andreatta ganha entre alunos. A UERGS, pelos números de Beroldt, tem 261 professores, 189 funcionários, cerca de cinco mil alunos ativos e mais seis mil diretores de escolas fazendo uma especialização. Para complicar mais a coisa, terminou o mandato de Beroldt e a justiça mandou parar a homologação dos resultados. Quem deveria assumir? Não havendo regra clara no estatuto da universidade, conforme Andreatta, o Conselho Superior decidiu agir por analogia com uma renúncia ou uma morte. Escolheu um interino para tocar a universidade até a decisão do mérito na justiça.

Mais uma vez, a decisão não agradou a todos, ainda mais que o Conselho Superior teria eleito o reitor para ficar interino até a decisão judicial, quando, por analogia, deveria chamar nova eleição em 60 dias, o que não poderia acontecer por já se ter realizado o pleito. A Procuradoria-Geral do Estado entendeu que se deveria indicar um reitor pro tempore, como quando da inauguração da UERGS, atribuição reservada ao governador do Estado. Curioso é que o eleito pelo Conselho Superior e o indicado pelo governador Eduardo Leite são a mesma pessoa: o ex-reitor da UERGS Fernando Guaragna. Andreatta vê intervenção política na eleição. Nenhum dos candidatos, em princípio, é ligado ao PSDB ou a Leite. Um resumo do imbróglio, que me foi enviado, diz que a “utilização do fator não está prevista no Edital das eleições”. O edital no site da UERGS observa o contrário. E agora? Quem tem razão? Todos? Ninguém?

Fernando Guaragna dá razão a Andreatta. Segundo ele, os diversos documentos da UERGS foram produzidos em governos diferentes e ficaram com algumas incongruências. O Estatuto, documento máximo, de quando a universidade foi criada, estabelece a paridade e nada mais. O Regimento, que veio depois, criou a fórmula do fator de ajuste. Em 2018, porém, o Conselho Universitário decidiu acabar com esse fator por considerá-lo prejudicial aos estudantes. O problema é que não houve o cuidado de mexer no Regimento. Em 2022, o edital eleitoral teria copiado o Regimento: “Esse foi o nosso erro”, diz Guaragna. Para ele, não houve contestação em 2018 por qualquer parte por ter havido a aceitação do fim do fator.

A fórmula de Guaragna para resolver o impasse é simples: “Regra votada, regra acolhida, regra acatada”. Ele espera que a justiça decida logo. Não tem apego ao cargo. Está preocupado com a falta de funcionários e professores. O quadro é muito pequeno, o dinheiro, curto: “Temos um dos menores orçamentos de universidades públicas do Brasil”, informa.

Regras eleitorais provocam cismas.

Tomara que não haja mais qualquer outra semelhança com 1923.

Continua...

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