Juremir Machado da Silva

Krenak veste o fardão da ABL

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Krenak veste o fardão da ABL Krenak (sentado, ao centro) foi empossado no dia 5 de abril | Foto: André Feltes/ABL

Aílton Krenak tomou posse na Academia Brasileira de Letras. Pela primeira vez, um indígena vestiu o fardão. Numa terra de exterminados pelos colonizadores, um descendente dos povos originários tornou-se “imortal”. Ainda falta Conceição Evaristo nesse clube. Negra, oriunda de uma favela, Conceição esbarrou no elitismo dos acadêmicos. Além disso, ela não se dobrou, não fez campanha, não pediu voto, não seguiu o ritual. Achou que o seu talento era suficiente. Deveria ser. Não foi. A ABL não faz vestibular. Não examina a qualidade das obras. Os “imortais” escolhem com quem desejam conviver até a morte. Vez ou outra, fazem uma concessão aos simbolismos e vão tomar chá com bolo.

Krenak tem ideias. Entrou chutando o balde: “Eu venho para cá, um espaço da lusofonia, trazendo as línguas indígenas. Torço para que haja uma mudança na ABL e outras diversidades étnicas que temos no Brasil também possam ganhar espaço”. O critério para entrar na ABL é a fama. Quanto mais famoso, melhor. É um clube dos famosos. Um grande escritor sem fama não tem chance. Não estou falando de professores, diplomatas e outros acadêmicos famosos apenas nos seus campinhos.

Com Conceição Evaristo | Foto: André Feltes/ABL

Numa história de ficção científica, Machado de Assis escreveu: “Nesse dia, – cuido que por volta de 2222, – o paradoxo despirá as asas para vestir a japona de uma verdade comum. Então esta página merecerá, mais que favor, apoteose. Hão de traduzi-la em todas as línguas. As academias e institutos farão dela um pequeno livro, para uso dos séculos, papel de bronze, corte-dourado, letras de opala embutidas, e capa de prata fosca. Os governos decretarão que ela seja ensinada nos ginásios e liceus. As filosofias queimarão todas as doutrinas anteriores, ainda as mais definitivas, e abraçarão esta psicologia nova, única verdadeira, e tudo estará acabado. Até lá passarei por tonto, como se vai ver”. Deixemos para 3222. Melhor.

Foto: André Feltes/ABL

O pai fundador, figura sempre tutelar, disse na inauguração: “Dentro do país achamos boa vontade e animação, a imprensa tem-nos agasalhado com palavras amigas. Apesar de tudo, a vida desta primeira hora foi modesta, quase obscura. Nascida entre graves cuidados de ordem pública, a Academia Brasileira de Letras tem de ser o que são as associações análogas: uma torre de marfim, onde se acolham espíritos literários, com a única preocupação literária, e de onde, estendendo os olhos para todos os lados, vejam claro e quieto. Homens daqui podem escrever páginas de história, mas a história faz-se lá fora”. Errou.

O Brasil cuja história foi apagada dá as caras, força a porta, exige espaço. A coisa anda devagar. A historiadora branca e da elite ainda entra antes da escritora negra e pobre, derrotada pelo cineasta branco. A ideia de só receber espíritos literários foi vencida por Joaquim Nabuco contra Machado de Assis. O fundador acreditava numa literatura feita por espíritos, não por homens e mulheres concretos. Krenak de fardão refunda o Brasil. Um dia teremos uma ABL sem farda.

Com Gilberto Gil | Foto: André Feltes/ABL
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