Juremir Machado da Silva

Lanceiros negros, heróis da pátria

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Lanceiros negros, heróis da pátria A ginasta Daiane dos Santos participou de ensaio fotográfico que retratou personalidades negras para lembrar o episódio do Massacre dos Porongos| Foto: Márcio Pimenta

Os lanceiros negros entraram para o Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria. Nada mais justo. Valentes negros, incorporados ao exército farroupilha, que carecia de braços militares, sob a promessa de liberdade, foram traídos em 14 de novembro de 1844. Volto aos meus arquivos, aos tantos textos que escrevi sobre a tragédia de Porongos.

No final da “gloriosa” Revolução Farroupilha, por simples coincidência, tropas imperiais caíram justo sobre o acampamento dos negros a serviço dos farrapos e os assassinaram. O acampamento dos brancos teve mais sorte. Uma surpresa? Nada previa aquele ataque?

Na véspera da chacina, o comandante farrapo Davi Canabarro recebeu um aviso por um emissário da irmã do general Neto, fazendeira na região, de que os imperiais estavam na área. Canabarro saiu-se com uma bravata diante: “O Moringue sentindo a minha catinga aqui não vem. Marche para a sua casa e não ande espalhando esta notícia aterradora aqui no acampamento”. Não bastasse, mandou desarmar a infantaria, tirando-lhe o cartuchame. Está tudo documentado, inclusive outros sinais inequívocos da aproximação dos imperais. Faço uma minuciosa análise de tudo o que aconteceu em meu livro, odiado por muitos, que prometeram até me capar, História regional da infâmia, o destino dos negros farrapos e outras iniquidades brasileiras (L&PM).

É preciso homenagear os negros que foram traídos. Eram, na maioria, escravos dos imperiais cooptados pelos farroupilhas com a promessa de liberdade em caso de vitória. Tornaram-se, porém, um obstáculo para a paz, pois seus donos exigiam que fossem devolvidos. O providencial ataque aos negros, em Porongos, eliminou uma parte considerável do problema. Aqueles que escaparam foram entregues a Caxias e enviados para o Rio de Janeiro, onde se tornaram escravos da nação, depositados no Arsenal da Marinha. Existe também a famosa carta assinada por Caxias que dá conta de uma combinação com Canabarro, que teria fugido só de cuecas, para eliminar os negros. A carta teria sido assinada depois dos fatos. Um caso único. Assinatura verdadeira, conteúdo falso. Uma linda fábula farroupilha. Malabarismos são feitos para justificar Caxias e Canabarro, que morreram mudos sobre o assunto. Tenta-se explicar a retirada do cartuchame. Tudo lógico demais para ser verdadeiro. Os negros foram rifados em Porongos.

Lanceiros e infantes negros morreram para que um acerto entre os fazendeiros brancos e o Império se concretizasse. Tentou-se apagar previamente a imagem futura de traição dos farrapos aos negros, com a entrega deles aos imperiais, com uma traição ainda maior, a entrega das suas vidas ao inimigo que se sabia próximo e pronto para atacar. Eu li tudo. Não me contaram. Eu analisei como ninguém todo o processo e provei que os negros foram levados para o Rio de Janeiro, não para a Fazenda Santa Cruz como se dizia, quando não se negava isso, mas para o Arsenal da Marinha. Provei também que a revolução louvada como abolicionista vendeu negros no Uruguai para se financiar. Por isso, todo ano, em novembro, eu penso naqueles bravos negros massacrados em função de uma esperteza dos nossos “heróis”. Aquilo foi malandragem e covardia. Não me venham com “eram os valores da época”. A infâmia é intemporal e universal. Os negros sabiam muito bem disso.

Bravos negros inscritos, enfim, no Livro dos Heróis da Pátria.

Lanceiros e infantes!

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