Juremir Machado da Silva

Quatro capítulos sobre o golpe de 1964: 4. Desfecho

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Quatro capítulos sobre o golpe de 1964: 4. Desfecho Capa do Jornal do Brasil de 1º de abril de 1964 e contracapa do Estadão de 2 de abril de 1964 | Imagens: Blog Mário Magalhães/Reprodução

Esta coluna faz parte de uma série publicada por Juremir sobre o Golpe de 1964. Leia aqui os outros capítulos.

Em dia 27 de março de 1964, a Folha de S. Paulo desensarilhava as suas armas para o combate final: “Até quando as forças responsáveis deste país, as que encarnam os ideais e os princípios da democracia, assistirão passivamente ao sistemático, obstinado e agora já claramente declarado empenho capitaneado pelo presidente de República de destruir as instituições democráticas?” 

O Jornal do Brasil – quatro dias depois, no infeliz 31 de março em que as forças de general Mourão Filho, comandante da IV Região Militar, marchariam de Juiz de Fora (Minas Gerais) sobre o Rio de Janeiro, assim como as do general Carlos Luís Guedes, comandante da IV Infantaria Divisionária – torpedeava João Goulart: “Pois não pode mais ter amparo legal quem, no exercício da Presidência da República, violando o Código Penal Militar, comparece a uma reunião de sargentos para pronunciar discurso altamente demagógico e de incitamento à divisão das Forças Armadas”.

O mesmo Jornal do Brasil, em 1º de abril de 1964, sofismava e comemorava com a verve do jornalismo autoconvencido: “Desde ontem se instalou no País a verdadeira legalidade, Legalidade que o caudilho não quis preservar, violando-a no que de mais fundamental ela tem: a disciplina e a hierarquia militares. A legalidade está conosco e não com o caudilho aliado dos comunistas”. 

Exultante, o JB usaria todas as suas armas para convencer de que não houvera arbítrio e que os militares eram salvadores da pátria: “Golpe? É crime só punível pela deposição pura e simples do Presidente. Atentar contra a Federação é crime de lesa-pátria. Aqui acusamos o Sr. João Goulart de crime de lesa-pátria. Jogou-nos na luta fratricida, desordem social e corrupção generalizada”.

O tradicional e conservador jornal O Estado de S. Paulo, vítima da ditadura de Getúlio Vargas entre 1937 e 1945, não hesitou em apoiar a criação de uma ditadura militar. Em 1º de abril de 1964, o diário da elite paulista vibrou fazendo eco à revolução de 1930, quando tivera o Estado de Minas Gerais como inimigo: “Minas desta vez está conosco…” 

A vitória era previsível: “Dentro de poucas horas, essas forças não serão mais do que uma parcela mínima da incontável legião de brasileiros que anseiam por demonstrar definitivamente ao caudilho que a nação jamais se vergará às suas imposições”. 

O jornal O Estado de Minas, em 2 de abril de 1964, respondia: “Multidões em júbilo na Praça da Liberdade. Ovacionados o governador do estado e chefes militares. O ponto culminante das comemorações que ontem fizeram em Belo Horizonte, pela vitória do movimento pela paz e pela democracia, foi, sem dúvida, a concentração popular defronte ao Palácio da Liberdade. Toda a área localizada em frente à sede do governo mineiro foi totalmente tomada por enorme multidão, que ali acorreu para festejar o êxito da campanha deflagrada em Minas”. 

O jornal A Tribuna da Imprensa, de Carlos Lacerda, principal veículo de oposição a Jango, insultou com vulgaridade: “Escorraçado, amordaçado e acovardado, deixou o poder como imperativo de legítima vontade popular o Sr João Belchior Marques Goulart, infame líder dos comuno-carreiristas-negocistas-sindicalistas” (2/4/1964). 

No mesmo dia, O Globo afundou-se na lama dos piores sofismas: “Fugiu Goulart e a democracia está sendo restaurada”. 

E mais, sempre mais, exultante: “Atendendo aos anseios nacionais de paz, tranquilidade e progresso… as Forças Armadas chamaram a si a tarefa de restaurar a Nação na integridade de seus direitos, livrando-a do amargo fim que lhe estava reservado pelos vermelhos que haviam envolvido o Executivo Federal”.

Faltava a manchete tragicômica, o título para ser colocado na parede da memória dos maiores absurdos. Antes do seu rápido arrependimento, em 2 e 3 de abril de 1964, o Correio da Manhã teve tempo e criatividade para cometê-la: “Lacerda anuncia volta do país à democracia”. 

Três dias depois disso, o Estado de Minas exortava: “Feliz a nação que pode contar com corporações militares de tão altos índices cívicos (…) Os militares não deverão ensarilhar suas armas antes que emudeçam as vozes da corrupção e da traição à pátria”. 

Nesse mesmo 5 de abril, O Globo publicava em título o que seria sempre repetido como justificativa principal, o álibi perfeito a ser brandido no futuro contra os revisores do passado: “A Revolução democrática antecedeu em um mês a revolução comunista”. 

O Jornal do Brasil, dia 6 de abril, reforçava essa tese citando um grande jurista disposto a apequenar-se: “Pontes de Miranda diz que Forças Armadas violaram a Constituição para poder salvá-la!” 

Em 16 de abril, o Correio Braziliense daria a sua contribuição para o achincalhamento da ideia de democracia no Brasil: “Milhares de pessoas compareceram, ontem, às solenidades que marcaram a posse do marechal Humberto Castelo Branco na Presidência da República (…) O ato de posse do presidente Castelo Branco revestiu-se do mais alto sentido democrático, tal o apoio que obteve”.  

O Globo, em editorial de 2 de abril de 1964, explorava o pior do lirismo nacional com seu estilo servil: “Vive a Nação dias gloriosos. Porque souberam unir-se todos os patriotas, independentemente de vinculações políticas, simpatias ou opinião sobre problemas isolados, para salvar o que é essencial: a democracia, a lei e a ordem. Graças à decisão e ao heroísmo das Forças Armadas, que obedientes aos seus chefes demonstraram a falta de visão dos que tentavam destruir a hierarquia e a disciplina, o Brasil livrou-se do Governo irresponsável, que insistia em arrastá-lo para rumos contrários à sua vocação e tradições (…) Mais uma vez, o povo brasileiro foi socorrido pela Providência Divina, que lhe permitiu superar a grave crise, sem maiores sofrimentos e luto. Sejamos dignos de tão grande favor”. 

Deus era golpista.

 (Do meu livro 1964, golpe midiático-civil-militar. Porto Alegre: Sulina).

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