Juremir Machado da Silva

Sincerídios de Eduardo Leite

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Sincerídios de Eduardo Leite Reprodução YouTube

Pode ser a pressão de um momento terrível, mas o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), anda tropeçando nas palavras. Primeiro ele disse que as doações podiam atrapalhar o comércio. Tanto disse que gravou vídeo pedindo desculpas. Ao UOL, Eduardo Leite fez uma confissão comprometedora, em tese, para seu mandato e seu futuro político: “Esses estudos, de alguma forma, alertam, mas o governo também vive outras pautas e agendas”. O governador disse mais: “A agenda que se impunha ao estado era aquela vinculada especialmente ao restabelecimento da capacidade fiscal”. Em português de rua alagada, o governador virou réu confesso. Admitiu alerta, mas não tomou providências por estar ocupado em gastar menos. Assumiu a responsabilidade pelo risco. A conta chegou. O que se faz agora?

Leite respondia a uma questão límpida: “Estudos já apontavam a possibilidade de aumento significativo nas chuvas do RS. O governo do estado se preparou mal para lidar com as enchentes?” A resposta, traduzida em realidade concreta, é cristalina: sim, pois o dinheiro estava destinado a outras prioridades. No Roda Viva, da Rede Cultura, Leite sugeriu que a culpa pela sua resposta foi do jornalista ou de quem quer caçar cliques nas redes sociais. Das duas, uma: ou ele disse o que disse e é muito grave, ou não disse e deve pedir ao veículo que corrija o texto. Poucas vezes, em meio a uma tragédia, uma afirmação dessa ordem foi tão despudorada. Na contramão dessa desconcertante confissão, Leite sustenta que o Estado fez tudo certo e pouco podia contra uma chuva jamais vista. Aí a culpa ficou toda com a natureza. No Roda Viva, Leite tentou remendar: “Talvez há culpa de não ter me expressado bem. Mas que fique claro, nós temos uma série de pautas com as quais o governo tem que lidar. A do meio ambiente, sem dúvida nenhuma, uma importantíssima, sobre a qual o governo também atua”.

Se Eduardo Leite ficou aborrecido com a indicação de Paulo Pimenta para “interventor” federal no Rio Grande do Sul, o que não deixa tampouco de ser estranho ou esperteza política, pois se trata de candidato “natural” ao posto de governador em 2026, tem tentado diminuir o impacto. Jogou para Pimenta o cancelamento da dívida do RS com a União, pois, em outros tempos, o PT dizia que a dívida já estava paga. E assim nunca se para de fazer politicagem. Já o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), resolveu terceirizar a administração da crise para a consultoria norte-americana Alvarez & Marsal, especializada em livrar gestores de culpas evidentes em cartório. A loucura chegou a tal ponto que se passou a vender terreno do outro lado do muro, na área desprotegida, alagável. Gestor tem obrigação de prover serviços e de prever consequências. O não feito cobra.

Matinal publicou reportagem de Tiago Medina dando conta de que o governo gaúcho “reservou 0,009%” do orçamento para a Defesa Civil em 2024. Documentos mostram que a prefeitura de Porto Alegre sabia dos problemas no dispositivo de proteção contra cheias. Pedidos de arrumação não foram atendidos. A fé no Estado mínimo era tão grande que não se fazia o menor esforço para manter a casa funcionando.

O papel do ser humano nas mudanças climáticas já não desperta dúvida entre cientistas. Mesmo que chover muito ou pouco fosse fator exclusiva da natureza, a preparação para diminuir os estragos é bem humana. Porto Alegre e Estado não fizeram o dever de casa. A declaração de Leite sobre a prioridade fiscal pode ter saído sem querer, mas é sintomática: mostra exatamente o local da ferida, o ponto que dói, o foco das atenções governamentais. A mídia amiga vem passando pano para essa espantosa afirmação do governador, embora simule estar fazendo perguntas duras. O ajuste fiscal nunca pode ser prioridade em relação à segurança da população. Leite garante também que suas quase quinhentas alterações na legislação ambiental não afetaram em nada a proteção à natureza no Rio Grande do Sul. Eu adoraria mediar um debate entre ele e os ambientalistas Beto Moesch, Francisco Milanez e Paulo Brack. O desafio está lançado. Bora!

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