Juremir Machado da Silva

Touro e toureiro: uma fábula

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Touro e toureiro: uma fábula O toureiro quer vencer em casa | Foto: Freepik

Era uma vez um toureiro que temia muito um touro por seu estilo de atuação. Um touro hipermoderno, veloz, compacto, ousado, arrojado.

Então, um dia, uma noite, eles se enfrentaram.

O touro listrado partiu para o ataque. As suas investidas eram rápidas, agudas, assustadoras. Ele parecia nada temer e tudo almejar.

O toureiro operava por estocadas e voltava a se resguardar.

Uma tourada, contudo, não depende apenas da força do touro ou da habilidade do toureiro. O acaso, o erro, o imprevisto, tudo conta muito.

O toureiro saiu na frente. A vitória parecia certa.

Mesmo assim, o toureiro não se intimidava: atacava, arriscava, mostrava-se capaz de estragar a festa do touro e da sua claque.

Estava bem.

O inesperado, contudo, aconteceu. O touro sofreu um golpe.

Ferido, ficou vulnerável. A morte parecia iminente. Era o toureiro atacar para certamente determinar o final do combate por antecipação.

Em vantagem numérica, o toureiro tinha um latifúndio de tempo para colocar o touro de joelhos e, por fim, desferir contra ele o golpe mortal.

Surpreendentemente o toureiro se retraiu. Passou a guardar seus melhores trunfos para o combate final, em sua arena. Uma estratégia dessas, em situação normal, é sensata, adequada, a mais esperada e racional.

Em situação de vantagem ainda seria a melhor escolha? Os trunfos teriam de ser preservados para o enfrentamento final ou explorados às últimas consequências para matar o touro naquelas condições tão favoráveis?

Qualquer ressalva à estratégia do toureiro era considerada um aval ao seu treinador anterior, uma saudade do perdedor, o que não fazia qualquer sentido. Nem era o caso. O erro presente não costuma transformar erros do passado em acertos. O fã de touradas, porém, sempre justifica as preferências do seu touro ou toureiro. É da sua natureza racionalizar.

Saíram touro e toureiro vivos da corrida.

O touro, que tinha entrado favorito, comemorou não ter morrido.

O toureiro azarão, que podia ter crivado o adversário de golpes fatais, saiu convencido de que obtivera o resultado fundamental para matar o touro em casa, diante dos seus torcedores, como havia planejado.

Quem estava certo?

Só o resultado da segunda tourada dirá. Se o toureiro vencer, terá feito as escolhas certas. Se perder, será culpado por ter deixado o touro vivo quando podia tê-lo sacrificado diante dos seus admiradores.

Feitas as contas, o toureiro agora é favorito. Ainda terá, no entanto, de matar o touro. O sacrifício final faz parte da regra do jogo.

Touradas são complexas: no caso, o toureiro fez muito mais do que o previsto, pisoteando principalmente os prognósticos dos especialistas nacionais, fãs do touro, mas menos do que o tornado possível pelas circunstâncias do confronto. Ao obter o que queria, o toureiro produziu alguma frustração. Terá sido uma determinação ferrenha de cumprir o plano?

Morais da história: 1) Nada a ver com o Alexandre do STF. 2) Só o resultado determina erro ou acerto em termos de estratégia. 3) Touradas deveriam ser extintas. 4) Torcerei para que o toureiro vença, tornando-se, na verdade, um novo e esplêndido touro, numa metamorfose ao vivo.

Eu acredito na vitória do toureiro/touro vermelho.

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