Nando Gross

Fifa ignora mais de 500 gols de Pelé

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Fifa ignora mais de 500 gols de Pelé Foto: CBF

A Fifa nos últimos anos tem se notabilizado pela tentativa de reescrever a história de acordo com seus critérios e interesses. Isto se espalhou por algumas confederações, que saíram distribuindo títulos antigos, como fez a CBF aqui no Brasil. De um dia para o outro a entidade brasileira mudou critérios e fez alguns clubes campeões anos depois.

Lembro que em 2010, após a confirmação da Confederação Brasileira de Futebol de que as conquistas da Taça Brasil e do Torneio Roberto Gomes Pedrosa, disputados de 1959 a 1970, foram reconhecidas como títulos brasileiros, Pelé tornou-se hexacampeão brasileiro de uma única vez. É claro que Santos foi o maior beneficiado, com mais seis títulos, além dos dois conquistados em 2002 e 2004. O Palmeiras incorporou mais quatro títulos. Bahia, Botafogo, Cruzeiro e Fluminense também passaram a ter mais um título nacional em sua conta. A decisão da CBF de unificar os títulos brasileiros se baseou em um dossiê produzido pelo jornalista e pesquisador Odir Cunha, a pedido dos seis clubes interessados. Ele reuniu alguns documentos e procurou o então presidente Ricardo Teixeira, que levou o assunto adiante.

Outra polêmica foi quando a Fifa criou um formato para o Mundial de Clubes e decretou que o que tinha acontecido antes não era Campeonato Mundial. Já tivemos várias versões do assunto, mas quando um jornalista envia um pedido à Fifa perguntando quais são os clubes campeões mundiais, a resposta é que os campeões mundiais da Fifa são aqueles das competições organizadas pela entidade.  Em 2000 com o torneio vencido pelo Corinthians no Brasil, e depois a partir de 2005 que teve São Paulo, Inter (2006) e Corinthians (2012) como os brasileiros campeões.

Em janeiro deste ano, no site da Fifa foi colocada a chamada para a participação do Flamengo no Mundial de 2023 e a entidade ignorava o título conquistado pela equipe brasileira em cima do Liverpool em 1981. No texto está escrito: “o Flamengo venceu a Copa Intercontinental de 1981. A equipe jogou a Copa Mundial de Clubes da Fifa pela primeira vez em 2019, quando foi vice-campeã e batida pelo Liverpool na final.  Em momento algum, o texto mencionava expressamente que a conquista da então ‘Copa Intercontinental’ de 1981 tem, hoje, o mesmo patamar de um Mundial.

Na última sexta-feira, a imprensa brasileira deu destaque histórico a outra nova matemática da Fifa. Os cálculos feitos pela entidade não reconhecem 18 gols feitos por Pelé na seleção e, por isso, Neymar chegou ao topo desta nova lista. Ao todo, Pelé marcou 95 gols com a camisa da seleção, mas a entidade reconhece apenas 77. Mas não são apenas estes ignorados, ao todo são mais de 500 gols do Rei não catalogados pela Fifa. Os registros esportivos e o site oficial do Pelé, além do Livro dos Recordes, registram o número de 1.283 gols marcados, mas a Fifa, conta apenas 767, são 516 gols não contabilizados pela entidade.

É preciso lembrar que o futebol era muito diferente nos anos 50 e 60, o Santos deixava torneios oficiais de lado, incluindo a Libertadores, para fazer excursões pelo mundo. Assim, Pelé acabou fazendo quase tantos amistosos quanto jogos oficiais na carreira. Pelé enfrentava os grandes times da época, como Barcelona, Real Madrid, Juventus, River Plate, Boca Juniors e o super time do Benfica, além de ter enfrentado seleções nacionais em jogos amistosos com o Santos.

Vamos separar alguns números e estabelecer critérios como costuma fazer a Fifa. Podemos dizer que Pelé possui mais gols do que Neymar se os amistosos forem excluídos. Em competições, são 43 do Rei contra 35 de Neymar.  Aceitando apenas os jogos contabilizados pela Fifa, o aproveitamento de Pelé é também superior. Pelé precisou de 91 jogos para marcar os 77 gols admitidos pela entidade, uma média de 0,84 por partida, Já Neymar levou 125 jogos com os atuais 79 gols, sua média é de 0,62 por partida nos critérios da Fifa.

Neymar é um extraordinário jogador, estourou no Santos e encantou o mundo no Barcelona, mas no PSG nunca repetiu o mesmo nível de atuações e com seu novo estilo de vida na França, tornou-se um “pop star”, distanciando-se da condição de atleta. O resultado foi um número incontável de lesões e o fechamento do mercado europeu, tendo de ir jogar na Arábia.

O maior jogador brasileiro surgido nas últimas décadas foi para a periferia do futebol, onde vai ganhar ainda mais dinheiro, mas as suas atuações só terão repercussão no Brasil, porque se trata de um futebol irrelevante. O camisa 10 da seleção abraça o projeto da teocracia do país de usar o esporte para limpar a imagem recheada de violências. O Al Hilal, clube de Neymar, pertence ao fundo soberano saudita que, na prática, é do ditador Mohammad bin Salman, aquele mesmo que ordenou o esquartejamento do jornalista dissidente Jamal Khashoggi, entre outros crimes. Nunca a seleção brasileira foi tão importante para Neymar, pois esta será a única camisa com alcance mundial e respeito que ele vestirá nos próximos anos.

Mesmo sendo um ídolo no Brasil há muitos anos, Neymar se contaminou pelo pior das redes sociais e entrou no discurso de vencer “contra tudo e contra todos”, o que soa até engraçado, para um atleta com toda a estrutura e prestígio colocados à sua disposição. Decidiu fazer parte da divisão política do país e assumiu um lado, justamente o perdedor. Antes da Copa, acirrou a divisão ao fazer campanha para Bolsonaro. Agora, em meio à disputa dos jogos das eliminatórias, gravou um vídeo com a camisa da seleção, para o deputado bolsonarista, Nikolas Ferreira, onde aparece como a atração principal do chá revelação do deputado e sua esposa. Neymar foi o responsável pela notícia do sexo do bebê que o casal espera.

Que a Fifa estabeleça novos critérios e valores para alterar a história conforme as suas conveniências, tudo normal, não iria esperar outra coisa de uma entidade, com o histórico de corrupção que ela tem, como também já aprendi a não me surpreender mais com os absurdos da CBF, mas a imprensa brasileira precisa chamar a atenção para a verdade e de forma alguma pode jogar no lixo os mais de 500 gols marcados por Pelé, como faz a Fifa.

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