Carta da Editora

Quem tem medo do golpe?

Change Size Text
Quem tem medo do golpe? Foto: Demétrio Jorge

“Uma coceira pode virar uma gangrena.” O alerta é do jurista e professor Lenio Streck, que falou ao Matinal sobre o perigo de manifestações antidemocráticas, atitudes que, na sua visão, já representam uma “ruptura simbólica” pelo simples fato de abrir uma discussão sobre um golpe. Ainda que seja quase irresistível fazer piada com aquela gente de celular na cabeça pedindo ajuda extraterrestre, tenho de concordar com Streck: o contexto é perigoso. “Tenhamos medo. O excesso de tranquilidade pode matar a democracia”, escreveu em artigo publicado ontem.

Apesar de ter diminuído o grupo que há um mês ocupa a região no entorno do Comando Militar do Sul, no Centro de Porto Alegre, a lista de golpistas cresce. Aqui no Estado, a última entidade a aderir publicamente à narrativa falsa de que as eleições foram fraudadas e que vivemos hoje uma “ditadura do judiciário” é a Sociedade de Engenharia do Rio Grande do Sul (SERGS). Inicialmente assinado pelo presidente da entidade, Walter Lídio Nunes (que depois da repercussão negativa, voltou atrás e se disse contrário ao teor da carta), o documento teria sido idealizado pelo presidente do conselho deliberativo, Luis Roberto Ponte, e acabou provocando racha na entidade. Com data de 30 de novembro, o texto pede intervenção das Forças Armadas contra o que chamam de “golpe perpetrado por membros do Poder Judiciário” e defendem que Lula seja impedido de tomar posse pois teria sido eleito irregularmente. Como tem sido costume nas teses, essas sim, golpistas, não apresentam nenhuma prova.

O manifesto é “infeliz” e merece repúdio, me disse Streck em uma breve troca de mensagens ontem. “Preocupa que sociedades desse tipo façam apelos à intervenção militar”, declara. E reforça o que vem sendo repetido à exaustão, mas aparentemente não faz nenhum sentido para a turba de verde e amarelo. “Intervenção militar é a antítese da democracia. Logo, invocar a democracia para matar a democracia é um discurso suicida, um haraquiri institucional.” 

Para o professor, o Ministério Público do Rio Grande do Sul deveria enquadrar os signatários do manifesto. “O Ministério Público é o guardião da Constituição, embora haja ainda um grande déficit da participação do MP nessa questão, o que se pode ver pela atuação da PGR e do próprio MP”. 

A coceira que pode virar gangrena

Na opinião de Streck, se desde o início o MP tivesse tomado providências, como processar os líderes e os financiadores dos movimentos antidemocráticos, não teríamos chegado a esse ponto em que pessoas e entidades insistem em atentar contra a democracia sem nenhum constrangimento. “Uma coceira pode virar uma gangrena. O meu ‘pânico institucional’ é que as instituições estão aí e não funcionam, isso sempre é perigoso. Ainda acho que o papel do MP seria crucial”, afirmou, sem tirar a responsabilidade dos poderes executivos estadual e municipal no caso específico dos atos que ocorrem em Porto Alegre. 

No seu entendimento, as autoridades locais já deveriam ter tomado outras providências para além do diálogo, estratégia defendida pelo comandante-geral da Brigada Militar, coronel Cláudio Feoli, para desmobilizar os manifestantes. Não estaria aí também um “excesso de tranquilidade”, como disse o professor Streck?

Os atos no Centro Histórico são considerados, pelo vice-prefeito de Porto Alegre, uma “revolta da população”, para quem a “Constituição já não vale mais nada”. Não é só Ricardo Gomes que se diz contrário à intervenção militar mas defende como legítima a atitude de um grupo que quer anular as eleições, de preferência via Forças Armadas. Na Câmara Municipal de Porto Alegre, foi aprovada, no dia 25, uma moção contra Alexandre de Moraes. Segundo os vereadores autores do texto, o ministro do STF estaria passando dos limites nas sanções aplicadas a quem defende golpe militar. 

Alguém aí sentindo coçar?


Marcela Donini é editora-chefe do Matinal Jornalismo.
Contato: [email protected]

RELACIONADAS

Esqueceu sua senha?

ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.
ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.