Carta da Editora

Um apelo a editores e editoras de polícia

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Um apelo a editores e editoras de polícia Foto: Maxim Hopman/Unsplash

Estamos em 2024 e jornais ainda tratam feminicídios como “crime passional”. Seguem detalhando nos títulos os métodos cruéis com os quais homens tiram a vida de mulheres pela sua condição de gênero – detalhes que ilustram o que um feminicídio é: um crime de ódio.

A motivação para esse tipo de assassinato vem de um único lugar: a misoginia. Não é ciúme, não é loucura e, definitivamente, não é amor. 

“Feminicídio não é um conto de Nelson Rodrigues, uma história de amor que acabou tragicamente em que o homem é quase uma vítima da sua loucura. Feminicídio é um crime de ódio – ainda que tenha iniciado como uma história de amor.”

O trecho é do livro Histórias de morte matada contadas feito morte morrida: a narrativa de feminicídios na imprensa brasileira (Drops Editora, 2022), resultado de uma extensa pesquisa realizada pelas autoras Niara de Oliveira e Vanessa Rodrigues. Autoexplicativo, o título se refere a um dos achados que mais se repetiram nas análises de casos publicados em jornais ao longo de 40 anos: a voz passiva usada nos títulos dos feminicídios. “Mulher é morta”, “Mulher é encontrada morta”. 

Raras vezes se lê “Marido mata mulher” ou “Ex-companheiro mata mulher”. E quando a frase aparece, costuma ser complementada de maneira equivocada: “…mata mulher por ciúmes”, “…por não aceitar o fim do relacionamento”. Homens matam as mulheres por ódio. Ponto final.

As situações em que se dão os feminicídios se repetem, e o fim do relacionamento é um contexto comum. Mas de maneira nenhuma pode ser colocado como a razão, ou pior, uma justificativa quase aceitável que levou o homem a cometer o assassinato. A razão está na sensação de superioridade do assassino que enxerga a mulher como objeto, e não um sujeito autônomo e livre, o que acaba evidenciado na hora em que ela deseja romper com uma relação abusiva, por exemplo.

Quem faz a notícia

Ao analisar essa cobertura inadequada, as autoras apontam para o machismo entranhado nos jornalistas e reproduzido dentro das redações e ainda das universidades. Quando confrontados, as justificativas para o uso recorrente da voz passiva ou outras formas discriminatórias contra mulheres na cobertura da violência de gênero são inúmeras – e isso eu falo a partir de observações minhas: “Ah, mas não foi proposital, usei a expressão porque era a que cabia no espaço que eu tinha, eu sequer pensei sobre isso, não há nenhuma informação falsa aqui”… Sem contar as questões jurídicas envolvidas, preocupações legítimas das redações, mas que não podem ser muletas para não se repensar nossas práticas.

Em algum momento da minha trajetória, eu mesma já usei argumentos como esses. Bueno, passou da hora de pensar sobre isso e elaborar maneiras para tornar essa cobertura mais humana e respeitosa.


Marcela Donini é editora-chefe da Matinal.
Contato: [email protected]

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