Diálogos Matinais

Na rua, em busca de soluções

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Na rua, em busca de soluções

Era início de junho, uma quarta-feira, quando eu estacionei o carro nos fundos da catedral de Pelotas para uma curtíssima estadia na cidade – o suficiente para entrevistar os protagonistas do maior estudo da Terra sobre coronavírus e testemunhar sua realização. O trabalho foi coordenado pela epidemiologia da Universidade Federal de Pelostas (UFPel), recebeu financiamento do Ministério da Saúde e agora terá continuidade graças ao aporte de parceiros privados. A reportagem que resultou desses dias de apuração foi publicada ontem, aqui na Matinal.

É claro que para levantar essa história foi preciso muito mais tempo, um monte de leituras, entrevistas e checagens. Mas aqueles dias foram especialmente impactantes. Desde a primeira quinzena de março, eu só tinha produzido matérias de dentro da minha casa, em Porto Alegre – para uma repórter não tem nada mais angustiante do que não ir para a rua, olhar, ouvir, sentir as histórias que depois vai contar.

Além da evidente excitação pela viagem, havia um pouco de temor porque eu precisaria tomar muito cuidado para não contribuir com a disseminação do coronavírus. Para poder acompanhar o trabalho de campo sendo feito, comprei equipamentos de proteção individual com segurança hospitalar: avental, luvas, máscara de nariz e boca, face shield, touca e aquelas sapatilhas para colocar sobre o calçado. A cada nova casa visitada, era preciso trocar tudo, acondicionar em um recipiente seguro, seguir adiante.

O trabalho dos entrevistadores é exaustivo: como se fosse um vendedor, esse sujeito precisa convencer alguém a abrir a porta de sua casa para quem toca na campainha. Fala a verdade: ninguém mais usa campainha ou interfone, todo mundo se comunica por WhatsApp. A maioria das pessoas nem atende. 

Pois eles precisam bater em todas as casas até alguém atender, fazer o teste, contar o “pulo” (o cálculo matemático para que a amostra represente o todo), ir para o próximo endereço. Tudo caminhando, sob chuva ou sol, com um peso considerável nas mãos, sem banheiro, sem água. O Sandro, quem acompanhei, levou uma sacola com rodinhas, mas no final da manhã já dava para ver que ele estava exausto do tira e põe das roupas, da tensão de aplicar um teste tão sério como o que ele estava fazendo.

Cidade-laboratório
Era a segunda fase da pesquisa, o retorno ao campo depois da tremenda confusão que aconteceu na estreia do levantamento, quando houve agressões e prisões de entrevistadores e destruição de testes provocadas por mentiras. Mas em Pelotas tudo parecia ao contrário. As pessoas não apenas ficavam felizes em participar pela evidente razão de poder fazer um teste e saber se tinham tido contato com o coronavírus. Os pelotenses têm uma verdadeira admiração pela ciência, porque, há 40 anos, eles são o laboratório da epidemiologia – como me disse o pesquisador Cesar Victora, um dos meus entrevistados daqueles dias – e testemunham o impacto desses estudos em todo o mundo.

Quando submetemos a pauta em um concurso da Fundación Gabo de Periodismo, que financiaria as reportagens vencedoras junto com a Solutions Journalism Network, era nisso que estávamos pensando: a pesquisa brasileira tinha tudo para ser uma grande saída à crise do coronavírus, apontar caminhos para minimizar os problemas, salvar vidas. A bolsa se destinava justamente a histórias desenvolvidas com a abordagem de “Jornalismo de Soluções”, que tenta iluminar as respostas sociais a problemas compartilhados em muitos países.

No caso, o problema era o coronavírus e o desconhecimento sobre seu comportamento. Mas quando fui escrever a matéria, conversando com editores e outros jornalistas, ficou evidente que havia um limite tão complexo para essa solução ser efetiva que ele tinha se tornado o problema em si: a presidência da República. O bate cabeça no Planalto atrapalhou os pesquisadores no campo e impediu a renovação do contrato que daria sequência ao levantamento.

A nossa proposta, entretanto, ainda era falar da solução, e por isso a reportagem mostra como os cientistas criaram redes de apoio para assegurar a acurácia de seus dados e garantir a segurança de suas equipes de pesquisa. Apesar da postura do governo federal, que segue mandando uma resposta protocolar para jornalistas que consultam o Ministério da Saúde sobre a continuidade do levantamento, os dados do estudo foram considerados tão contundentes que gestores estaduais e municipais decidiram usar a metodologia da UFPel para realizar mais pesquisas.

Uma leitora me escreveu dizendo que a sensação depois de ler a reportagem foi a de que há saída em uma coalizão cidadã, em busca do interesse coletivo, e amparada na ciência. É isso que queríamos instigar, essa reflexão, esse debate, do qual essa carta é mais uma peça.

Queremos contar mais histórias sobre como a sociedade está respondendo aos desafios do nosso tempo. Mandem sugestões para a nossa redação, nos marquem em posts nas redes sociais, compartilhem os cards que mandamos pelo Zap Matinal com seus grupos e depois nos escrevam dizendo como foi a resposta. Acreditamos no jornalismo como instrumento da cidadania e convidamos vocês a estarem nessa com a gente.

*Chefe de reportagem do Grupo Matinal
[email protected] 

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