Reportagem

Licença para erguer condomínios no Morro Santana tem irregularidades

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Licença para erguer condomínios no Morro Santana tem irregularidades Terreno de propriedade da Maisonnave está ocupado por indígenas desde outubro (Foto: Alass Derivas/Deriva Jornalismo)

Empresa conseguiu aprovar projeto no Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano Ambiental em 2013, mas prazo expirou; conselheira aponta ausência de documentos obrigatórios

A autorização do projeto da Maisonnave Companhia de Participações para a construção de 11 torres no Morro Santana, em Porto Alegre, não é mais válida, segundo documentação reunida pelo Matinal e apreciada por uma integrante do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano Ambiental (CMDUA). 

O empreendimento prevê erguer prédios em uma área considerada de preservação permanente até os anos 1990 e hoje reivindicada por um grupo de indígenas Kaingang e Xokleng. Um Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU) chegou a ser aprovado em 2013, após três votações no CMDUA.

Em março daquele ano, o projeto foi rejeitado pela relatoria no CMDUA e por diversos conselheiros que consideraram o projeto impróprio, dada a comprovada importância ecológica e arqueológica do terreno. Por 7 votos a 13, porém, o voto contrário do relator foi vencido, e o projeto foi redirecionado para nova relatoria, que aprovou o EVU no mês seguinte, com prazo para expirar dali a 180 dias. De acordo com o expediente do projeto, o EVU não foi renovado.

Em 2018, foi aprovada a licença prévia do projeto da Maisonnave, mas o EVU já estava com o prazo expirado, o que configura uma irregularidade, segundo o Decreto nº 14.826, de 2005, que dispõe sobre a Comissão de Análise Urbanística e Gerenciamento (Cauge). 

A empresa precisaria ter apresentado o pedido de licença dentro de 30 dias após a aprovação da viabilidade urbanística, e não cinco anos depois. “Licença prévia e EVU precisam andar juntos. Um dos requisitos do EVU, aliás, é a aprovação da licença prévia. Esse descompasso parece ser uma das irregularidades desse expediente”, explica Claudete Simas, representante da ONG Acesso Cidadania e Direitos Humanos no CDMUA. A licença prévia foi ainda prorrogada em 2020, com base em uma alteração legal efetuada em 2019. Mesmo com a prorrogação, porém, a licença vigente não seria mais válida.

A conselheira também chama atenção para a ausência de documentos necessários para o empreendimento. “Dois termos são obrigatórios antes de qualquer procedimento: o Termo de Compromisso e o Termo de Conversão em Área Pública (TCAP). Como houve um parcelamento do solo, ou seja, uma gleba muito grande dividida em muitos edifícios, parte dessa gleba passaria a ser de titularidade do município, salvo em caso de recompra pelo empreendedor. Não localizei esses termos, e os próprios documentos disponíveis dizem que eles não existem”, alerta Simas, que tampouco encontrou um parecer da Procuradoria-Geral do Município (PGM) sobre o projeto. A PGM foi procurada, mas não respondeu até o fechamento desta reportagem.

A Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus) também não retornou aos pedidos de esclarecimentos. Questionamos a pasta sobre a defasagem temporal entre a aprovação do EVU e o pedido de licença prévia e sobre a indisponibilidade do Termo de Compromisso, do TCAP e de um parecer da PGM.

A exemplo do que vem ocorrendo em áreas como a Educação e a Saúde, a gestão Sebastião Melo (MDB), sob o respaldo de uma lei aprovada em 2022, tem esvaziado o poder dos conselhos municipais em proveito da aprovação rápida de empreendimentos privados. Essa retirada de autonomia preocupa. Apesar de o EVU da Maisonnave estar vencido, haveria casos em que, mesmo com o prazo expirado, a prefeitura teria atropelado ritos legais para aprovar projetos. 

Claudete Simas cita os casos do Cais do Porto, em que foi reconsiderado um EVU já sem validade, e do arroio Espírito Santo, cujo EVU não foi atualizado com base na legislação atual. Ambos os casos foram questionados por membros do CMDUA. O Ministério Público abriu inquérito para investigar o projeto do Cais, enquanto o caso do arroio Espírito Santo se encontra entre as pautas de discussão do CMDUA.

Área de Preservação Permanente

Até 1994, o terreno do Morro Santana pertencente à família Maisonnave era considerado Área de Preservação Permanente (APP), mas um reajuste de limites passou a considerá-lo “área de ocupação intensiva”, autorizando construções no local. 

Ponto mais alto de Porto Alegre, o Morro Santana abriga as nascentes do Arroio Dilúvio e uma rica biodiversidade. Um amplo estudo conduzido pela Antropologia da UFRGS demonstra, com documentos históricos e arqueológicos, que a área é frequentada por indígenas desde pelo menos o século 19. Com quatro sítios arqueológicos cadastrados no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o Morro Santana abriga indícios de passagem e estabelecimento de grupos humanos que remontariam a 12 mil anos atrás. Desde outubro, um grupo de indígenas Kaingang e Xokleng reivindicam a área, mas a justiça já determinou prazo para que deixem o local.

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