Reportagem

Médicos voluntários relatam desorganização do Simers na atuação nos abrigos

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Médicos voluntários relatam desorganização do Simers na atuação nos abrigos Sindicato é responsável pela assistência médica de 17 pontos de acolhimento. Foto: Simers/Divulgação

Passadas três semanas do início das enchentes que devastaram o Rio Grande do Sul, os locais que recebem a população desabrigada seguem dependendo do apoio de voluntários e do município para continuarem funcionando – são 140 abrigos em operação somente na capital. Uma das frentes essenciais é o atendimento médico, na maioria das vezes realizado por profissionais voluntários.

Em 16 de maio, em entrevista ao programa Ajuda Rio Grande, da RBS TV, o secretário municipal de Saúde, Fernando Ritter, orientou médicos a se cadastrarem no site do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers), que ficaria com a incumbência de organizar as escalas de quem se voluntariou. Mas, no dia seguinte, um formulário da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) começou a circular com o mesmo objetivo de reunir nomes de profissionais, causando uma confusão no esquema deste tipo de assistência.  

Alguns médicos vieram a público criticar o que chamaram de uma  “terceirização da emergência nas mãos do sindicato” e denunciaram o despreparo do Simers, que impõe um modelo falho de escalas médicas, exclui profissionais sem transparência e não fornece orientações concretas sobre as demandas. 

A crítica ao sindicato engloba o gerenciamento das escalas no aplicativo SOS Plantão, criado pelo Simers para auxiliar na gestão dos plantões de médicos nos abrigos. Apesar de facilitar a escolha de dias e locais dos plantões, o aplicativo reflete a desorganização. Alguns médicos contam que se cadastraram no app, foram aos locais dia e turno selecionado, mas foram dispensados porque já havia profissionais atuando. 

“Eu havia colocado meu nome, mas quando cheguei lá já tinham outros médicos da escala própria que eles estavam organizando. O relato dos responsáveis pela saúde foi que o Simers não havia entrado em contato para fazer essa organização”, relata uma profissional, que preferiu preservar sua identidade. A médica foi à Igreja Brasa Church, no Sarandi, e à Escola São Francisco, na zona norte da capital. Perdeu a viagem nas duas ocasiões. 

“Apesar de terem ido presencialmente em vários abrigos, a equipe do Simers não fez contato com as pessoas que já estavam responsáveis por organizar o atendimento em saúde. Em muitos abrigos que eles assumiram, havia duas escalas paralelas: a do Simers e a do local, feita por voluntários”, conta a voluntária Thamyres Zanirati, sobre os relatos que recebeu de responsáveis dos abrigos. A médica participa do coletivo Exército Invisível, grupo que reúne profissionais da saúde que buscam organizar a assistência ambulatorial nos abrigos da capital.

Questionado sobre os médicos com dificuldade nas escalas, o presidente do Simers, Marcos Rovinski, orientou o contato diretamente com ele. “Essas pessoas podem conseguir o meu contato também e resolvemos eventuais problemas pontuais. Várias pessoas entraram em contato comigo, e eu coloquei dentro da escala. Se quiser trabalhar, nós vamos colocar no trabalho, o importante é atender a população”, disse à Matinal.

O presidente ressalta que a entidade está “muito bem organizada” e conta com 12 pessoas no núcleo que coordena as escalas. Atualmente, o Simers gerencia a assistência médica de 17 abrigos e já contou com 2 mil médicos cadastrados para atuar como voluntários. 

Falha nas escalas e na coordenação do sindicato

O médico Jeferson Oliveira foi outro profissional que não conseguiu se voluntariar por meio do Simers. Ainda no dia 4, ele se inscreveu no formulário divulgado pela entidade, mas não foi chamado. Três dias depois, foi colocado num grupo de WhatsApp criado pelo Simers para organizar escalas. 

Segundo Oliveira, horas depois ele recebeu a notificação de que teria sido removido do grupo. “Depois disso, entrei em contato com pessoas que eu sabia que estavam indo em alguns abrigos, e só então consegui ajudar  em abrigos e resgates. O sindicato nunca me chamou, inclusive me excluiu do grupo”, afirma. 

Diante da confusão nas escalas, na terça-feira, 7 de maio, Thamyres Zanirati passou a receber dezenas de mensagens de outros profissionais que procuravam abrigos com necessidade de assistência ambulatorial para se voluntariar. 

Em busca de orientação, ela entrou em contato com o funcionário do Simers responsável pelas escalas. “Ele não sabia quais abrigos estavam precisando de gente, e perguntei se eles não estavam montando as escalas. A resposta foi que eles não sabiam ainda. Fiquei quieta, me revoltei e resolvi que eu iria para água, ajudar nos resgates, pois estava sendo mais útil como ser humano, com força braçal, do que como médica”, relata a médica. 

Em paralelo, grupos de profissionais foram surgindo para mapear os abrigos que não contavam com auxílio do sindicato e de outras instituições – como UFRGS, UFCSPA e PUCRS – para organizar escalas de trabalho. Após atuar como voluntária em pontos de resgate, como na área da Orla do Gasômetro e do viaduto da Cairu, a médica participou de um mapeamento que já visitou cerca de 60 abrigos para entender quais lugares estavam desassistidos. 

A partir desse levantamento, Thamyres concluiu que a maioria dos espaços cedidos para o Simers não foi avisada da mudança de gestão das escalas. “Eles chegaram em alguns abrigos e decidiram impor a organização das escalas. Só que as pessoas já estavam organizando isso antes e queriam continuar do jeito que estava funcionando”, afirma a médica. “Em alguns lugares eles (o Simers) foram dispensados, e em outros nem deram as caras.”

Em 13 de maio, o ponto de coleta de doações do Simers também foi motivo de conflito entre voluntários e a entidade. Com a saída da prefeitura da coordenação do espaço de arrecadação, a direção do sindicato, que estava só cedendo o local até o momento, quis gerir a operação sem a presença dos voluntários que, por dias, tocaram o trabalho desde as primeiras coletas. 

Outro voluntário, que também preferiu preservar sua identidade, montou e participou de diversos grupos com profissionais disponíveis para atender nos abrigos. Em entrevista à Matinal, ele afirma não entender por que o sindicato é responsável pelas escalas médicas. 

“Um sindicato não é uma instituição tecnicamente capaz de gerir escalas, não é um hospital. Eles também não tem esse catálogo de todos os médicos do Rio Grande do Sul”, afirma o voluntário, que coordenou um ponto de acolhimento em Porto Alegre. 

Segundo ele, se o Simers tivesse feito as escalas inicialmente, não teria havido confusão. Entretanto, o sindicato centralizou o gerenciamento da assistência médica nos locais após já haver outras escalas. Essa centralização ainda hoje, segundo as fontes ouvidas pela Matinal, ainda não foi concluída, o que segue gerando problemas em cascata. “Recebemos muitos depoimentos de voluntários de abrigos dizendo ‘o Simers só esteve aqui para tirar foto’, ‘o Simers não mandou médicos e nós estamos na lista dos Simers’”, lamenta.

Em vídeo publicado no perfil do sindicato no Instagram, o presidente do Simers Marcos Rovinski, e o vice, Fernando Uberti, aparecem ao lado do secretário Fernando Ritter, que agradece à entidade pela parceria. “[…] o sindicato médico nos ajudou a montar as escalas dos profissionais para atender dentro desses abrigos junto com os nossos profissionais de saúde”, diz Ritter no vídeo. 

A assessoria de comunicação da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) informou que “várias entidades estão sendo parceiras neste momento” e que, na área médica, “o Simers se colocou à disposição para fazer esse cadastro e filtro.” 

A Matinal questionou a pasta sobre a instrução dada ao Simers em relação à gestão das escalas e a justificativa mais detalhada sobre a escolha da entidade como organizadora da assistência de saúde. Não houve retorno até o fechamento desta matéria.  

O presidente do sindicato negou haver problemas no aplicativo SOS Plantão. “Eventualmente pode acontecer uma dificuldade pontual de contato, mas não é a realidade, é a exceção”, afirma Rovinski. “Neste momento, as pessoas têm muita vontade de ajudar e, às vezes, vão por conta própria, de alguma forma que acaba conflitando com a necessidade real daquele local.” 

Ainda segundo Rovinski, a partir dos próximos dias o sindicato não terá médicos plantonistas nos abrigos, mas irá fornecer unidades móveis que irão circular pelas unidades gerenciadas pelo sindicato.

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