Reportagem

Prêmio Açorianos: as falhas que afetaram o prestígio da mais importante premiação de teatro do RS

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Prêmio Açorianos: as falhas que afetaram o prestígio da mais importante premiação de teatro do RS A peça “Um Fascista no Divã” foi uma das prejudicadas na premiação (Foto: Henrique Strieder/Divulgação)

CORREÇÃO: Diferentemente do que foi publicado inicialmente, os jurados ainda não receberam o valor pelo trabalho. A reportagem foi corrigida na tarde desta segunda-feira.

Artistas pedem ajuda de custo para novas sessões e se queixam de falta de transparência e desorganização ao longo de todo o processo 

O ano está acabando e os gaúchos ainda não conhecem os vencedores do Prêmio Açorianos de Teatro. Lançada em 1977, a premiação chega em 2022 criticada pela classe artística, que aponta desorganização e falta de transparência ao longo do processo, além de desrespeito com grupos desclassificados devido ao não comparecimento dos jurados aos seus espetáculos.

Organizado anualmente pela Coordenação de Artes Cênicas da Secretaria Municipal de Cultura, a tradicional premiação cultural é considerada a mais importante do Estado. 

Na semana passada, a Procuradoria-Geral do Município (PGM) mandou os quatro grupos desclassificados se apresentarem de novo, respondendo aos recursos dos prejudicados. Os artistas pediam a nulidade da premiação e esperaram um mês pela decisão. De acordo com a PGM, anular a premiação seria “altamente complexo” por afetar um número “indiscriminado de pessoas e interesses”.

A PGM afirmou que os jurados serão intimados a comparecerem às novas apresentações sob pena de rescisão contratual. Devem ser encenados novamente os espetáculos Um Fascista no Divã, Sobrevivo: Antes Que o Baile Acabe, Sobrevida, e Fica, Vai Ter Bolo.

Mal recebida pelos artistas prejudicados, a recomendação está sendo estudada pelos grupos, que pedem ajuda de custo para montar novamente os espetáculos e consideram que o corpo do júri não tem mais isonomia para avaliá-los. 

Conforme o coordenador de Artes Cênicas, Jessé Oliveira, ainda não está definido se haverá ajuda financeira para os artistas, com quem a secretaria pretende buscar alternativas de data para as novas sessões. Caso os grupos acatem a decisão da PGM, o coordenador afirma que os passos seguintes serão realizados conforme previsto originalmente: haverá nova lista de indicados, cerimônia e seleção final dos vencedores do Prêmio Açorianos de Teatro.

Em entrevista ao Matinal, Alexandre Dill, diretor do GrupoJogo e da peça Um Fascista do Divã, reclamou da decisão e disse ter sido informado tardiamente da decisão. “Eles não acataram a solicitação de chamar todos os participantes e querem que a gente se apresente aos mesmos jurados. Eles dizem que estão abertos ao diálogo, mas não ouvem as nossas questões, sendo que nós cumprimos com a nossa parte do edital”, ressalta o produtor cultural, que cogita recorrer ao Ministério Público do RS. 

Para Dill, o atual júri não tem mais isonomia para julgar as peças. “Esses jurados já estão contaminados com todo esse processo vergonhoso e ilegal que acontece dentro da Secretária de Cultura. Além disso, eles já se pronunciaram sobre o ocorrido, não têm mais imparcialidade, disse.. 

Os artistas prejudicados acreditam que as sugestões oferecidas não são justas também com os outros dez grupos teatrais indicados ao prêmio. Segundo Jacques Machado, diretor de Sobrevida, todos os concorrentes  foram lesados nesse processo. “Se teve um problema, uma ilegalidade no edital para quatro espetáculos, questiona-se também a legalidade dos outros concorrentes”, comenta Machado. 

Sem lista de jurados

Os grupos também reclamam da desorganização do evento. Até o começo da temporada dos espetáculos, nenhum dos quatro havia recebido a lista do corpo de jurados. Só após reiterados pedidos à coordenação é que foram enviados os nomes, informação necessária para liberar a entrada do júri nas bilheterias. 

A escolha dos jurados por assistirem a uma peça em detrimento de outra também é questionada pelos artistas, já que não se sabe quais critérios foram usados. 

Para participar da premiação, três dos quatro espetáculos lesados precisaram fazer novas temporadas que contemplassem o período de avaliação firmado no edital. Durante as apresentações, apenas um dos cinco jurados compareceu a três dos quatro espetáculos desclassificados. Já a peça “Sobrevida” não registrou a presença de nenhum representante do Prêmio Açorianos. 

Conforme Jessé Oliveira, entre os dias 10 e 30 de outubro houve uma diminuição de adesão dos avaliadores, mas que a frequência às peças teria chegado “próximo dos 100%” – o que não é verdade considerando o que ocorreu com os grupos desclassificados.

“Sobrevida” (Foto: Bob Souza)

O coordenador admite um problema de falta de jurados e contesta o uso do termo “desclassificação”. “O correto seria falar em ‘impossibilidade’ de as peças serem avaliadas, porque não houve condições de concorrerem devido à quantidade insuficiente de jurados”, explica Oliveira. 

Conforme consta o edital, cada jurado recebe um valor de 1 mil reais para assitir aos 14 espetáculos. No entanto, a quantia só será entregue apóS a premiação. “Tiramos dinheiro do bolso para adequar as apresentações aos prazos do edital e eles não fazem o mínimo que é ir lá assistir”, comenta Qex Bittencourt, diretora e produtora do espetáculo Fica, Vai Ter Bolo. Para a artista, o ocorrido descredibiliza o Prêmio Açorianos e a própria categoria de teatro no cenário cultural de Porto Alegre.

Artistas também acreditam haver má-fé por parte da SEC e dos jurados. “É fazer parecer que a Secretaria de Cultura não funciona por incompetência. É um jogo muito inteligente de fingir que são incompetentes para defasar tudo e tornar tão precário para fundar ano que vem com outro setor e desviar todas as verbas da cultura”, denuncia o produtor cultural e diretor Alexandre Dill. 

A cofundadora da Espiralar Encruza e atriz do espetáculo Sobrevivo: Antes Que o Baile Acabe, Maya Marqz, acredita ter havido uma decisão racista por parte dos jurados. “É bem nítido que os jurados escolheram pela sinopse, e um coletivo formado por pessoas pretas com temática antirracista não foi escolhido para ser assistido. Isso nos deixou bem chateados porque eles leram o nome do nosso espetáculo e não se sentiram atraídos para assisti-lo”, opina a produtora cultural. 

Não é a primeira vez 

Essa não é a primeira vez que os jurados não assistem a todos os espetáculos do Açorianos, segundo relatos de artistas e de Oliveira. A ausência de parte do júri acontecia mesmo com apenas três profissionais no júri – neste ano, o número subiu para cinco. Contudo, esta edição foi a primeira que lesou parte dos artistas. Para o coordenador, comunicar os grupos teatrais que a ausência de jurados inviabilizaria suas participações foi uma atitude de transparência da coordenação do prêmio. Ele admite, contudo, que o edital não está livre de falhas: “Vamos pensar em ajustes para que todas as categorias sejam apreciadas por todos os jurados nos próximos anos”.

Dos cinco jurados, dois nomes foram sugeridos pelo Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões do Rio Grande do Sul (Sated-RS) a pedido da Coordenação de Artes Cênicas. 

Ao Matinal, o Sated-RS disse que os avaliadores não assistiram a todas as peças porque estavam em viagens de trabalho. O presidente do sindicato, Luciano Fernandes, também compunha o corpo do júri, mas a convite do coordenador Jessé Oliveira. 

Segundo o sindicato, não é seu dever acompanhar o Prêmio Açorianos, mas a entidade lamenta o ocorrido. “Isso foi um estopim para que o Sated avaliasse com sua diretoria outras questões além da premiação que não estão funcionando como deveriam na Smcec”, comentou a entidade ao apontar o abandono de políticas públicas de cultura. 

Os grupos de Teatro Adulto reclamam ainda de a cerimônia de premiação para a categoria circo e teatro infanto-juvenil ter sido realizada em 25 de novembro. Isso porque as três categorias fazem parte do mesmo edital e, no seu entendimento, deveriam estar contempladas no mesmo evento. Para os grupos, este é mais um descumprimento das normas. O titular da pasta justifica que os prêmios foram entregues porque não houve contestações nas outras duas categorias e já existia uma cerimônia programada com produtora contratada.

Neste ano, o investimento para o Prêmio Açorianos (Adulto, Açorianos Circo e Tibicuera) foi de quase 60 mil reais, quatro vezes maior que na edição anterior, quando o valor foi de 15 mil reais. Segundo Oliveira, além do aumento no número de jurados, estão previstos prêmios em dinheiro para 12 categorias, quatro a mais do que no ano passado.

Bagunça também na Música 

As falhas no Prêmio Açorianos não ficam somente na categoria de teatro. Neste ano, a lista de indicados à Música também chamou a atenção por conter nomeações de álbuns já lançados ou pessoas que morreram há séculos atrás. O caso mais surpreendente foi a indicação do compositor alemão Johann Sebastian Bach, na categoria de melhor compositor do gênero erudito – o artista morreu em 1750.

A Prefeitura voltou atrás e substitui essa e outra indicação na mesma categoria e, em nota, afirmou que ambas foram “publicadas equivocadamente”.

Prêmio Quero-Quero deve ser relançado em 2023

Ao Matinal, o Sated revelou que tem pretensões de retomar o Prêmio Quero Quero para o teatro, dança e circo em 2023, em uma parceria com a Assembleia Legislativa. Lançada em 1988, a premiação ocorreu pela última vez em 2006, após ficar suspensa por 10 anos. A premiação contava com mais de 30 categorias, e contemplava profissionais de dança, teatro adulto, teatro infantil, teatro de rua e teatro de bonecos do Estado. A escolha dos vencedores era feita pelos associados do Sated.

Frente à bagunça registrada ao longo do processo, a produtora cultural Maya Marqz acreditar ser dever dos artistas “defender premiações, editais e todas as formas de manutenção da cultura”. A diretora Qex Bitencurt compartilha do mesmo sentimento dos colegas e acrescenta: “Eu acredito que esse prêmio vai ser reconstruído porque têm uma história, ele é um evento importante para a cidade e para os artistas. Espero que ano que vem isso não ocorra e eles respeitem mais a classe artística”.

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