Reportagem

Professor bolsonarista demitido da UFRGS tenta reaver cargo na Justiça

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Professor bolsonarista demitido da UFRGS tenta reaver cargo na Justiça Ex-professor Luiz Padilha mantém fotos com o ex-presidente Jair Bolsonaro em diversas redes sociais. Reprodução: Luiz Padilha/WhatsApp

Luiz Roberto Padilla diz ser perseguido por “combater pautas globalistas”; Ex-docente acumulou reclamações de alunos por atrasos, avaliações confusas e teses conspiratórias em sala de aula

A disciplina de Instituições de Direito, obrigatória para graduandos em Arquivologia da UFRGS, deveria introduzir os alunos ao estudo das leis e da Constituição. Mas em suas 3 horas-aula semanais obrigatórias, um ex-professor da cadeira, o advogado Luiz Roberto Padilla, divagava sobre humanos de uma espécie mutante e agroglifos, marcas que seriam deixadas em lavouras por aeronaves extraterrestres. Já no ensino remoto emergencial, que impôs aulas online durante a pandemia, Padilla ministrou aulas cozinhando e sem camisa na disciplina eletiva de Direito Desportivo.

Relatos como esses constam no processo disciplinar (PAD) que levou à demissão do ex-professor em janeiro deste ano, obtido na íntegra pelo Matinal por meio da Lei de Acesso à Informação. O motivo foi “desídia”, termo dado à prestação negligente e desleixada de um serviço. Na época, o processo correu à revelia do ex-docente, que não respondeu às notificações da comissão formada para julgá-lo em março de 2022. Um defensor dativo, advogado que garante a defesa técnica a acusados não encontrados, chegou a ser nomeado para defendê-lo, já que Padilla ignorou as intimações.

Antes do PAD, a UFRGS tentou firmar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com Padilla, mas o ex-docente “não se manifestou sobre a medida proposta”, e o TAC não foi assinado, segundo a universidade. Agora, o ex-professor tenta reaver o cargo por meio de um mandado de segurança que tramita na Justiça Federal desde o início de junho. Ainda se identificando como docente da UFRGS nas redes sociais, argumentou em seu pedido de liminar que houve “excesso punitivo e injusto” por parte da universidade ao demiti-lo. 

Ele pede o cancelamento da decisão ou, no mínimo, sua alteração para uma advertência. No processo, a universidade defendeu a demissão. Contatado pelo Matinal por WhatsApp para falar sobre o PAD que levou à sua dispensa, Padilla não respondeu. Nas redes sociais, o ex-professor é conhecido por ser um bolsonarista de longa data e, até hoje, faz publicações com ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF) e desacredita vacinas

Notificação de PAD por WhatsApp
Ao ser notificado por WhatsApp da instauração de um processo disciplinar, Padilla respondeu que máscaras e vacinas são passo para a escravização. Reprodução: UFRGS/PAD

De acordo com o processo, as denúncias de alunos remontam à disciplina de Instituições de Direito ministrada no segundo semestre de 2019. Na época, como avaliação, o ex-professor pediu aos estudantes que lessem textos publicados em seu blog pessoal e os comentassem com análises. Na mesma página em que consta o material da “atividade”, Padilla mantém um vídeo cujo título é “como e por que os globalistas desmancharam o Rio Grande do Sul e o que fazer para combater o mal”. 

“As aulas que até o momento assisti estão completamente fora do contexto do conteúdo previsto no plano de ensino e há por parte do docente uma completa dispersão e falta de foco nos assuntos que deveriam estar sendo tratados”, relatou uma estudante de Arquivologia por e-mail à Comissão de Graduação (Comgrad) do curso. “Um exemplo disso é que o professor usou, na última aula, um comparativo do direito como sendo semelhante ao ‘mistério’ dos ‘agroglifos’ (marcas com símbolos gigantes supostamente feitas por alienígenas nas plantações em zonas rurais).”

“Criei uma expectativa de que nesta cadeira teríamos conteúdos que nos facilitassem o trabalho de arquivista com embasamentos jurídicos, porém até o momento o professor tem tratado de assuntos irrelevantes e fora de contexto como ‘a cura do câncer’, ‘agroglifos’, questões políticas, esporte e fatos históricos equivocados”, reclamou outra aluna à Comgrad.

Ex-professor Luiz Padilha dá aula online sem camisa
Na disciplina de “Direito Desportivo”, ex-professor deu aulas sem camisa e cozinhando. Reprodução: UFRGS/YouTube.

Direito desportivo sem camisa

Em depoimentos que constam no PAD, os estudantes também afirmam que, no lugar de usar a plataforma de ensino da universidade, o Moodle, Padilla criava grupos de WhatsApp para as turmas e os usava para compartilhar publicações que, por exemplo, negavam a existência do aquecimento global e afirmavam que o “comunismo” iria “escravizar a humanidade”. Uma das pastas postadas com material de aula pelo ex-docente chamava-se “Livros e Teses para o Despertar”, com obras de autores como Augusto Cury, Olavo de Carvalho e ufólogos.

Lotado na Faculdade de Direito e professor da universidade desde 1992, Padilla também era o responsável pela disciplina eletiva de Direito Desportivo, do curso de Ciências Jurídicas e Sociais, para os quais deu aulas online sem camisa e cozinhando. A reclamação dos alunos gerou a abertura de um segundo processo. 

De acordo com os relatos, o ex-professor ainda reprovou ou deu nota baixa aos estudantes usando critérios de avaliação subjetivos e não informados previamente, como “número de páginas” do trabalho. Em seguida, Padilla deu três dias para os alunos refazerem os trabalhos e encaminhá-los novamente. “O monitor recebeu os trabalhos refeitos e encaminhou novamente ao professor, que corrigiu e informou ao monitor que todos os grupos tiveram seus conceitos mantidos, exceto um, que conseguiu melhorar para C, novamente sem explicitar os critérios de correção”, explicou o relatório da comissão processante.

Padilla fala mal da Fabico
Em seu status no WhatsApp, ex-professor também compartilhava ataques aos estudantes da faculdade de comunicação, onde dava aulas para o curso de arquivologia. Reprodução: UFRGS/PAD.

O episódio fez com que mais da metade dos estudantes matriculados na cadeira a cancelassem antes do término do semestre para evitar uma reprovação ou uma nota ruim, segundo o relatório do PAD. Uma das estudantes, que trabalhava em um hospital, relatou ter cancelado  a cadeira após o professor dizer em aula que as pessoas estavam morrendo de covid-19 “por conta da entubação” realizada nas unidades de saúde, e não em decorrência do coronavírus.

“Será mesmo desproporcional demitir um professor que, para além de ser desidioso em relação ao horário de aula, à matéria a lecionar e à avaliação, apresenta-se sem camisa em aula assíncrona? É mesmo aceitável que um professor de universidade pública (ou privada) não pratica conduta grave – por absoluta desídia – ao dar aula sem camisa?” informa trecho do relatório que indicou a demissão de Padilla e teve parecer favorável do reitor da universidade, Carlos Bulhões.

Grupo de WhatsApp das aulas de Luiz Padilla
Grupos de WhatsApp criados pelo ex-docente para enviar material às turmas continham mensagens de teor conspiratório. Reprodução: UFRGS/PAD

Discriminação contra pessoas com HIV

Não é a primeira vez que Padilla é demitido do serviço público. Em 2006, foi dispensado do cargo de procurador estadual do Rio Grande do Sul. Contatada, a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) não deu detalhes sobre a demissão. Em um post em seu blog, Padilla culpa o PT pela perda do cargo. Segundo ele, teria sido uma retaliação por conta de sua atuação para impedir uma suposta partidarização da seccional gaúcha da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Uma década antes, em 1997, no entanto, o advogado já havia sido punido por discriminação pela PGE, de acordo com a Agência Folha. Na ocasião, como procurador estadual, Padilla contestou um pedido feito à Justiça para compra pelo estado de antirretrovirais importados a uma pessoa com HIV argumentando que “a sobrevida do autor (do pedido) em nada contribuirá para a sociedade para a qual representa um risco de disseminação da doença”. 

Segundo a Folha, Padilla disse ainda que o caso do paciente era “infeliz” e que ele iria “morrer de qualquer forma”. “O dinheiro utilizado no fornecimento de medicamentos para aidéticos poderá salvar muitas vidas se empregado em outras necessidades na saúde”, afirmou no despacho. 

Hoje, em publicações na internet, Padilla afirma ter sido “o único, em todo o país, a combater a extorsão das multinacionais de medicamentos” à época. “Eles extorquiam 2 mil dólares do poder público por cada aidético. Só no Rio Grande do Sul, sangravam U$ 24 milhões de dólares anuais”, diz o advogado. Segundo ele, por isso, passou a ser “perseguido pela esquerda”.

Expulso da UFRGS, o ex-professor segue membro da Comissão de Direito Desportivo da seccional gaúcha da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RS). Na biografia de seu currículo lattes, Padilla diz que “por combater as pautas e engodos globalistas, é alvo de assédio moral e de assassinato de reputação desde os anos noventa”. 

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