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Sem serviço terceirizado há sete meses, professores assumem lugar de porteiros em escolas municipais

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Sem serviço terceirizado há sete meses, professores assumem lugar de porteiros em escolas municipais Porto Alegre, RS 01.10.2018: Recepção dos novos porteiros nas escolas de ensino fundamental da rede.Nas imagens, acolhida na manhã desta segunda-feira (01) aos que irão atuar na Emef José Mariano Beck. Foto: Manoelle Duarte/SMED/PMPA

Empresa rompeu contrato com a prefeitura por falta de pagamento e fala em “enriquecimento ilícito” do poder municipal às custas da terceirização

O professor de matemática Felipe Dornelles, diretor da Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Vereador Carlos Pessoa de Brum, precisa dividir suas atividades pedagógicas com funções que foram terceirizadas pela prefeitura de Porto Alegre e não estão sendo prestadas. Além de gerir a unidade, onde faltam 14 professores de áreas que vão desde o português à educação especial, o diretor virou porteiro da escola.

A unidade atende a mais de 1,2 mil alunos do jardim de infância ao ensino de jovens e adultos (EJA) no bairro da Restinga, da manhã à noite. “A portaria acaba dividida entre o vigilante, que deveria estar cuidando do prédio, e a direção da escola”, diz Dornelles. O diretor precisa interromper seu trabalho normal ao longo do dia para abrir e fechar o portão. “Eu, por exemplo, chego antes do horário todos os dias e praticamente não paro meio-dia, muito por causa da portaria.” 

A falta de porteiros atinge toda a rede municipal desde o fim do ano passado. A empresa terceirizada que assumiu o serviço, a Sulport, rescindiu o contrato unilateralmente com a Secretaria Municipal de Educação (Smed) por falta de pagamento no fim de novembro, segundo o empresário Nilson Sanchotene, dono da empresa. A companhia prestou o serviço desde julho sem receber os valores acordados porque o município alegou irregularidades nas folhas-ponto dos porteiros. Hoje, nas contas da Sulport, o município deve R$ 1,04 milhão à empresa. 

Firmado em junho de 2022 após um pregão, o contrato tinha o prazo de um ano e terminaria nesta terça-feira, dia 20 de junho. O acordo era que a Sulport fornecesse 199 porteiros e 4 supervisores para 98 unidades escolares da rede municipal por um valor de R$ 5,56 milhões. Apesar da suspensão unilateral, o contrato ainda constava como vigente até a noite da última segunda-feira, dia 19, no Licitacon, o portal de contratos públicos do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS).

“Formalismos” levaram à suspensão

Segundo o empresário, as reclamações da Smed que levaram à suspensão dos pagamentos se baseiam em “formalismos”, como datas e assinaturas fora do lugar. “Chegaram a trancar uma nota fiscal dizendo que a folha-ponto foi preenchida em um dia com caneta preta e, no outro, com caneta azul, e que não queriam aceitá-la assim”, afirma Sanchotene, da Sulport. 

Ele diz trabalhar há 16 anos com terceirizações ao poder público, principalmente para órgãos federais, mas alega ser a primeira vez que tem problemas do tipo. Segundo o empresário, as reclamações da Smed que levaram à suspensão dos pagamentos se baseiam em “formalismos”, como datas e assinaturas fora do lugar.

Sanchotene diz que ainda não entrou na justiça porque tenta reaver os valores suspensos de forma amigável. Desde o rompimento, a rede municipal segue sem serviços de portaria. No próximo domingo, as escolas irão completar sete meses sem funcionários terceirizados para cumprir a função. A suspensão da atividade ocorre em meio a um contexto de ameaças de atentados a escolas, o que gera insegurança entre os profissionais da educação. 

“Quando não temos o serviço de portaria, a entrada e saída é feita por um recurso humano (no caso, professor) que já é faltante. Além de todas as outras funções, também assumimos essa”, disse ao Matinal um diretor de uma escola da zona norte da Capital que preferiu não se identificar. “Nas escolas municipais, o portão de entrada dá acesso à secretaria e à unidade como um todo, o que, além do trabalho, gera insegurança porque a pessoa que entra tem acesso à escola inteira.”

Trocas de fiscais e retenção de valores

O empresário afirma que a Prefeitura trocou os fiscais do contrato da Sulport três vezes, o que leva a uma “demora absurda” na análise dos documentos entregues pela empresa e que comprovantes já encaminhados sejam solicitados de novo. 

Em nota enviada ao Matinal explicando seus contratos com a Smed, a terceirizada disse que o município estaria “retendo valores devidos à empresa” sem justo motivo, o que poderia caracterizar uma forma de enriquecimento ilícito por parte da prefeitura às custas da Sulport. 

“A falta de fiscalização correta por parte dos fiscais de um contrato acarreta em prejuízos também para a própria empresa contratada, como é o caso em tela, uma vez que a falta de preparo dos fiscais, a constante troca dos mesmos em um curto período, e a falta de interesse em sequer analisar os documentos encaminhados, autorizando emissão de notas fiscais com valores aleatórios e irrisórios, bem diferente do contratado, só demonstra o enorme prejuízo que pode sofrer a empresa, por puro descaso e torpeza da Prefeitura de Porto Alegre, através da Secretaria Municipal de Educação”, diz a nota.

O Matinal perguntou a três diretores de escolas municipais da capital se o serviço da terceirizada foi prestado durante o período de quatro meses que a Sulport teve seu contrato ativo com a rede municipal. Eles confirmaram que as unidades receberam, sim, funcionários para a função. “Quando teve, era bom (ter porteiros)”, disse uma diretora de uma escola da zona sul. “Agora é tudo a direção que faz.”

Crise na Smed

Em 18 de junho, a então secretária da pasta, Sônia da Rosa, pediu exoneração do cargo em meio a uma crise na secretaria, em decorrência de kits e materiais pedagógicos comprados sem licitação e que se acumulam em desuso em galpões municipais, como revelado por GZH. Uma auditoria do TCE falou em “desperdício de dinheiro público” ao analisar dispensas de licitação realizadas pela pasta no ano passado.

Segundo o prefeito Sebastião Melo (MDB), no entanto, os kits didáticos e equipamentos estão em desuso por culpa dos diretores e professores que teriam rejeitado os materiais – profissionais da educação rebateram o prefeito. De acordo com funcionários da rede municipal, as escolas sofrem com “falta de recursos humanos” e “graves problemas de infraestrutura, comum a todas as unidades escolares”, dificuldades que estariam sendo ignoradas pela prefeitura enquanto a gestão despeja dinheiro em novas metodologias e tecnologias.

“Recebemos chromebooks (na escola) e até pedimos mais. Mas a nossa estrutura elétrica não suporta. As tomadas são antigas e algumas queimaram o carrinho (que serve como carregador)”, diz Dornelles, diretor da escola localizada na Restinga. “Tem um professor que cuida da área tecnológica e do treinamento dos alunos e ele basicamente se dedicou a ficar trocando tomadas e a fazer essa instalação elétrica.”

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