Reportagem

Uma semana após temporal, moradores de Porto Alegre relatam transtornos por falta de luz

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Uma semana após temporal, moradores de Porto Alegre relatam transtornos por falta de luz Prefeitura afirma ter recebido 2 mil registros para remoções de árvore após o temporal | Foto: Alex Rocha / PMPA

Descaso, prejuízos, insegurança, desinformação e receio. Passada uma semana do forte temporal que atingiu Porto Alegre e causou inúmeras intempéries à cidade, o clima, nem de longe, parece ser de normalidade na capital. Moradores de diferentes bairros contabilizam perdas, ao mesmo tempo em que lidam com o estresse causados pela falta de água e eletricidade – esta, em alguns casos, de até 150 horas.

No cerne das críticas está a CEEE Equatorial, que até a noite de segunda, dia 22, ainda não havia conseguido religar a eletricidade de cerca de 6,6 mil residências em Porto Alegre. Depois de uma sucessão de atrasos, a empresa prevê para esta terça-feira a conclusão dos trabalhos para restabelecer a energia a todos os seus clientes. 

A seguir, a Matinal publica relatos de moradores de diferentes pontos de Porto Alegre. São pessoas de bairros e realidades distintas, mas que tiveram um mesmo problema em comum ao longo desta semana. 

“Ausência do mínimo”

“Eu sempre morei na Azenha e o que me chama a atenção é que pela primeira vez eu vivi uma experiência muito ruim de ausência do mínimo e do básico, que é o saneamento, a água e a luz”, desabafou a professora Amanda Lacerda à Matinal na tarde desta segunda, poucas horas após a energia elétrica ter sido enfim restabelecida na região, praticamente uma semana depois do temporal. 

Mãe de duas crianças pequenas, Amanda também é síndica do condomínio onde mora e que tem 162 apartamentos. A rotina de administração que já é bastante puxada ganhou incrementos com os diversos desafios que se apresentaram ao longo dos dias. Com a demora da CEEE Equatorial na resolução do problema, foi aumentando a preocupação com moradores em situação mais vulnerável, além de criar um rombo no orçamento do condomínio, que se viu obrigado a alugar – e a pagar o preço cobrado – geradores para não ter o subsolo inundado por esgoto e garantir água a idosos residentes em andares mais altos. 

“Dentro de um condomínio, nós temos todo um funcionamento que é dependente de eletricidade”, relatou. A falta de energia deixou isolados no 10º andar moradores idosos, além de uma mulher grávida de sete meses. Foram eles, em grande medida, o motivo de o prédio decidir arcar com o custo de geradores para manter ao menos um elevador em funcionamento. Não foi barato: “A locação na quarta-feira de manhã estava em R$ 400 e no último sábado, a diária estava em R$ 2 mil”.

Sem luz para as tomadas, também ficou impossível para os diabéticos armazenarem seus medicamentos de maneira adequada. Para piorar, o breu das noites também acabou por gerar insegurança entre os moradores. Houve o furto de pelo menos duas bicicletas durante esta semana, levando a síndica a contratar serviço extra de vigilância. “A conta do condomínio sofreu um alto impacto”, resumiu Amanda, cujos vizinhos se preparavam para realizar um protesto que bloquearia a Oscar Pereira no início da tarde, poucas horas antes da luz ser enfim religada. 

“Nunca em 30 anos morando na Azenha eu fiquei mais de um dia sem luz”, suspirou. “Agora parece que é comum.”

R$ 15 mil em mercadorias jogadas fora

Prejuízo financeiro também teve o comerciante Elonir Mulinari. Dono de um mercado no Morro Santana, ele calcula que a perda de mercadorias por conta da falta de luz pode ter lhe acarretado um rombo de até R$ 15 mil. Foram praticamente seis dias com produtos estragando e sem a possibilidade de efetuar as vendas. O martírio começou quando um galho caiu sobre a fiação no dia seguinte à tempestade, conforme ele. 

“Faltou luz na hora do temporal, mas voltou no meio da manhã de quarta-feira de manhã e trabalhamos o resto do dia normalmente. À noite, na ruazinha do lado, caiu um galho de uns 5 centímetros de espessura nos fios de alta tensão, afetando um fusível e nos deixando em meia fase, o que, para nós, não resolve nada, pois não liga nenhum freezer”, explicou.

“Os transtornos causados com essa situação ficam até difíceis de enumerar”, acrescentou o comerciante, que listou uma série de produtos perdidos. À medida que as horas iam passando, o estresse com o atendimento crescia: “A gente ligava para aqueles 0800 dele, mas não conseguia falar com ninguém. Pelo WhatsApp, comecei a mandar mensagens na quinta-feira e só respondem que a equipe já está ciente e vai enviar para conserto. Mas era só protolocar”. 

De fato, equipes da Equatorial foram até o local, segundo Mulinari. Apenas na quinta, foram quatro visitas, que se seguiram nos dias seguintes. “Vinham, tiravam fotos e vídeos e diziam que o caminhão já viria, mas nada de resolver o problema.” Os procedimentos duraram até domingo, enquanto o conserto só foi efetuado por uma equipe, acionada não por telefone, mas por moradores que a viram ali perto: “E aí viram que o caso era simples, cortaram o galho e religaram a luz em 15 minutos”.

“A gente não consegue falar com ninguém”

Morador do bairro Auxiliadora, o advogado Júlio Sá ficou mais de 140 horas sem energia elétrica. O apagão começou durante o temporal de terça e a energia só voltou ao prédio no meio da tarde de segunda. Não chegou, porém, aos apartamentos do edifício, em razão de um curto circuito nos disjuntores do imóvel. À Matinal, ele relatou que permaneceu em casa até sexta-feira, quando precisou abrigar-se na casa de um amigo, em razão da ausência de luz e de água. Perdeu praticamente tudo o que tinha em freezer e geladeira, além de possíveis danos elétricos. 

Em algum momento da espera, Sá decidiu agir. Protocolou uma reclamação formal na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que pediu prazo de 11 dias úteis para retornar. “Também fiz reiterados protocolos junto à CEEE Equatorial, desde as 23h de terça, mas sempre sem resposta”, contou. “A gente não consegue falar com ninguém, é sempre aquele atendimento robótico”, relatou. 

No último sábado, ele e mais um grupo de afetados pela falta de luz participaram de um protesto em frente à sede da empresa. “Estávamos num grupo pequeno e mesmo assim veio a Brigada Militar tentar nos coibir. É uma situação revoltante o que esta empresa está fazendo”, afirmou. Restabelecida a energia, o próximo embate que Sá pretende ter com a CEEE Equatorial é na área judicial. Ele quer cobrar indenizações por danos morais e materiais. 

Dos retornos que chegaram da empresa, as informações eram falsas: “Eu recebi várias mensagens da CEEE Equatorial por SMS com notícias de que a energia tinha sido restabelecida na região, o que nunca era verdade”. Ontem, não muito tempo depois de a luz ter voltado, um galho caiu sobre um fio de alta tensão, forçando o desligamento da rede que atende a sua rua, com previsão de retorno até o fim da noite. A explicação lhe foi dada por uma vizinha que havia abordado técnicos da empresa na rua. “Isso resume: as pessoas estão ‘atacando’ quando veem alguma viatura da Equatorial nas ruas, para poder obter algum tipo de esclarecimento.” 

Árvores caídas, galhos pendurados

Na Cel. Marcos, galhos pendurados em fios | Foto: Marcela Donini

Também no bairro Auxiliadora, na esquina da rua Artur Rocha com a avenida Plínio Brasil Milano, uma árvore restou caída e bloqueando acessos desde o temporal. A via foi liberada nesta segunda, mas os galhos ainda aguardam a retirada, tal como ocorre em centenas de outras calçadas. 

Apesar de praticamente uma semana desde o temporal, cenas como árvores caídas não eram incomuns em Porto Alegre. A Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), registrava 83 ocorrências de bloqueios nas vias até as 18h desta segunda. Desse montante, 28 são bloqueios totais por queda de árvore, 13 por queda de postes e fios. Havia ainda outros 42 bloqueios parciais.  

Mas mesmo a ausência de bloqueios não significava necessariamente normalidade. Na manhã de ontem, na avenida Cel. Marcos, no bairro Pedra Redonda, zona sul da capital, pelo menos dois pontos chamavam a atenção de pedestres pelo risco que apresentavam. Na altura do número 2111, um pedaço de tronco com diversos galhos e folhas preso em alguns cabos balançava com o vento sobre o meio-fio. A poucos metros dali, outra árvore também pendia sobre fios. Nenhuma das duas tinha sinalização para pedestres ou carros.

Questionada, a assessoria de imprensa da Secretaria Municipal de Serviços Urbanos (SMSurb) afirmou que não tinha registro do número 2111, mas que encaminharia à equipe técnica. Até o final da tarde de ontem, a prefeitura tinha 2 mil registros de situações semelhantes, originadas de demandas de moradores e de rondas da SMSurb, e 900 remoções já haviam sido concluídas. 

Remoção de árvores 

Segundo a SMSurb, o pedido de demanda para remoção de árvores na capital tem três órgãos envolvidos: se as árvores estão caídas sobre fios, o pedido deve ser feito à CEEE Equatorial; quando são vegetais em áreas públicas, sem contato com a fiação, a SMSurb é quem deve ser acionada; se as árvores estiverem em áreas privadas, a demanda deve ser solicitada à Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus). 

As duas secretarias disponibilizam uma cartilha aos cidadãos, visando o esclarecimento de eventuais dúvidas. Leia na íntegra aqui.

Serviços:

CEEE Equatorial: (51) 3382-5500 para mensagens no WhatsApp e 0800 721 2333 para ligações;

Dmae: (51) 3433.0156 para mensagens no WhatsApp e 156 (opção 2) para ligações;

SMSurb: Solicitações de serviços através do aplicativo 156+POA e pelo telefone 156;

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