Secretaria de Educação de Porto Alegre questiona escolas sobre exemplares de “O Avesso da Pele” nas bibliotecas da rede
Depois de protestos de professores e diretores, Smed diz que não emitiu qualquer orientação contrária à utilização do livro
Uma semana depois da notícia sobre tentativa censura à obra O Avesso da Pele por parte de uma direção escolar em Santa Cruz do Sul, a Secretaria Municipal de Educação (Smed) de Porto Alegre enviou, no final da tarde de quinta-feira, um formulário às direções escolares da rede pública municipal, indagando se as instituições possuem exemplares do livro, quantos e em que locais estariam dentro das escolas.
O objetivo seria, segundo o texto no cabeçalho do formulário, fazer um “levantamento quantitativo sobre a obra”, com prazo de resposta até a próxima segunda-feira, dia 11. A mensagem foi enviada por uma bibliotecária, integrante da Assessoria Técnico-Pedagógica da Smed.
De acordo com docentes consultados pela reportagem da Matinal, professores vinculados ao trabalho de Educação para Direitos Humanos e Relações Étnico-Raciais (ERER) na rede pública municipal questionaram qual razão levou a secretaria a realizar tal levantamento. Na manhã desta sexta-feira, a Smed enviou nova mensagem às direções escolares, justificando que o objetivo do formulário seria levantar dados para “consultas externas que provavelmente sejam demandadas”.
“Esclarecemos ainda que, esta Secretaria, (sic) não tem restrições nem emitiu qualquer orientação contrária à utilização desta obra, reiterando que, (sic) qualquer material pedagógico deve ser utilizado com planejamento e supervisão dos professores”, justificou o órgão público, em mensagem assinada pela diretoria pedagógica do município. De acordo com a assessoria de comunicação da Smed, “diretores questionaram o formulário e mandamos a resposta”.
Comissão de Direitos Humanos questiona Smed
Ainda na quinta, a Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa recebeu uma denúncia sobre o levantamento, e enviou um ofício ao secretário municipal José Paulo da Rosa nesta sexta, com a finalidade de “compreender o motivo determinante do ato administrativo”. O documento solicita a justificativa pedagógica para a sondagem, se há alguma determinação jurídica para tal, e diz que as condutas do poder público devem sempre ter uma motivação baseada na lei. “Do contrário, pode ser considerado ímprobo por causar apenas ônus à administração, sujeitando-se, de tal forma, à própria nulidade”, diz o ofício, assinado pela deputada Laura Sito (PT), que é presidente da comissão.
À reportagem, a parlamentar afirma que é lamentável, depois de “uma série de escândalos na educação de Porto Alegre”, que essa seja a preocupação do governo. “Ao invés de criarmos uma massa crítica sobre os problemas reais sofridos pela sociedade, estamos dando voltas em torno dos problemas. Nós precisamos fortalecer a educação pública e esse debate só nos coloca em um lugar de desconfiança sobre a comunidade escolar”, argumenta Sito.
Em um grupo privado, integrantes da rede pública municipal comentaram o caso. Em uma das mensagens, uma diretora afirma que não dispõe de bibliotecário ou de um professor responsável pela biblioteca, de modo que sequer conseguiria realizar o levantamento, por falta de recursos humanos, situação que se repete em outras escolas da capital gaúcha.
A Matinal publicou, nesta sexta, uma reportagem sobre a propagação das tentativas de censura ao livro nas escolas e como o caso expôs um debate moral em torno de um livro que trata sobre racismo e violência policial. Em Porto Alegre, as vereadoras Fernanda Barth (PL) e Mônica Leal (PP) utilizaram a tribuna da Câmara Municipal para caracterizar a obra como “chula”. Em estados como Paraná, Mato Grosso do Sul e Goiás, O Avesso da Pele foi recolhido dos colégios públicos.
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