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Sucesso do Festival Turá no Anfiteatro Pôr-do-Sol não demoveu prefeitura do plano de acabar com o espaço

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Sucesso do Festival Turá no Anfiteatro Pôr-do-Sol não demoveu prefeitura do plano de acabar com o espaço Segundo o governo, houve pedidos para utilização do espaço nos últimos anos, mas nenhum dos organizadores levou adiante as negociações | Foto: Bah Creators/Festival Turá/Divulgação

Depois de quatro anos sem receber eventos, o Anfiteatro Pôr-do-Sol voltou a abrigar atividades culturais. O Festival Turá reuniu 20 mil pessoas nos dias 18 e 19 de novembro, no icônico espaço que já sediou o Fórum Social Mundial, foi palco para festa de torcedores na Copa do Mundo de 2014 e acomodou dezenas de apresentações musicais históricas em Porto Alegre. 

Os shows de Caetano Veloso, Emicida, Marina Sena, Alceu Valença e Duda Beat só ocorrem naquele trecho da orla entre a rótula das Cuias e a Ipiranga após uma crise de relações-públicas: o impacto na opinião pública  da derrubada de mais de 400 árvores no Parque Harmonia, a cargo da concessionária Gam3 Park. A T4F, produtora responsável pelo Turá, mesma que geriu a turnê da Taylor Swift no Brasil, e os artistas do festival, foram cobrados por entidades ambientalistas porto-alegrenses. “A mudança de local foi uma sugestão do Instituto Curicaca, ONG que atua na conservação da biodiversidade, salvaguarda cultural e promoção do ecodesenvolvimento”, publicou a T4F. 

Apesar do sucesso do Turá, o público que compareceu pôde comprovar o abandono do espaço. O palco teve de ser montado em frente a uma concha acústica em ruínas. Deixada sem reparos após o incêndio em março de 2020, a concha havia sido condenada pela Defesa Civil e teve sua demolição anunciada em abril de 2022, mas até o momento não foi retirada. A má-conservação do espaço também contrasta com os trechos da orla ao norte e ao sul, feitos com recursos públicos. Por que só aquele espaço ficou sem manutenção? Com o sucesso do Turá, essa pergunta repercutiu entre quem esteve presente. 

Um dos motivos são os planos da prefeitura para conceder o espaço onde fica o Anfiteatro Pôr-do-Sol, entre a Rótula das Cuias e a Ipiranga. Um desenho de um novo anfiteatro foi lançado em maio e mostrou que o projeto envolve um local para megaeventos, contendo uma ampla área pavimentada, e não de gramado, como é hoje. Perguntamos se o sucesso do Turá havia feito o poder público reavaliar seus planos e se a ideia de sediar grandes shows não prejudicaria a concessão do Harmonia, concedido com o mesmo fim. 

A prefeitura disse que o anfiteatro não é atrativo para a locação. Segundo o governo, houve pedidos para utilização do espaço nos últimos anos, mas nenhum dos organizadores levou adiante as negociações. Uma das mais relevantes deste ano foi com o Bloco da Laje, que reuniu 30 mil pessoas no cortejo realizado no final de janeiro. 

A Secretaria de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus) disse ser do coletivo a decisão de realizá-lo em outro local “devido às medidas mitigatórias exigidas”. No episódio, o bloco precisou se deslocar para uma área do trecho 2 mais ao norte do anfiteatro, um local com mato alto e pouca arborização, perto das quadras esportivas do trecho 1, depois do cortejo que partiu da Praça Isabel, a Católica. 

Antes disso, a ideia do bloco era terminar o percurso nas imediações do anfiteatro, local que conta com amplo espaço de gramado e arborização, fatores importantes no auge do verão porto-alegrense – no dia da saída, a temperatura variou de 24ºC a 37ºC na capital. O coletivo, porém, disse que houve limitações ao realizar um mapeamento requerido pela Smamus, com limitação espacial por conta dos cágados que vivem no local. 

O uso de espaços públicos para eventos tem regras definidas por um decreto publicado em agosto de 2021. Esse regramento define procedimentos para autorização de atividades no âmbito do Escritório de Eventos da cidade. O aluguel do local para o Festival Turá, de acordo com a prefeitura, custou 33 mil reais. A regra, no caso de eventos fechados em parques públicos, é cobrar uma taxa que parte de R$ 5,25 por metro quadrado utilizado, com um teto de R$ 52.556, independente da duração da atividade, para ocasiões em que há restrição de acesso da população ou quando não há interesse público.

Melo apresentou o projeto em maio. Trata-se de uma concessão do espaço público, arranjo distinto do que resultou na entrega dos trechos 1 e 3, que foram construídos com recursos públicos, a partir de financiamentos. Foto: Pedro Piegas/PMPA

Planos para os próximos 35 anos

Quanto à concessão, a Secretaria de Parcerias da prefeitura, responsável pelas concessões de imóveis e áreas públicas, se limitou a afirmar que o projeto para a área está em andamento e tem previsão para lançamento do edital em 2024. No momento, a pasta está “aprimorando os estudos, elaborando e ajustando a modelagem jurídica, para posterior lançamento da consulta pública”.

Com um investimento estimado em R$ 400 milhões de recursos privados, o plano para essa região inclui a criação de um centro de eventos, um anfiteatro, uma marina pública e um farol-mirante. A empresa que vencer a concorrência pública poderá explorar o trecho 2 por 35 anos, sob a condição de realizar as obras definidas pela prefeitura. Trata-se de um arranjo distinto do que resultou na entrega dos trechos 1 e 3, que foram construídos com recursos públicos, a partir de financiamentos realizados junto à Cooperação Andina de Fomento (CAF).

A prefeitura anunciou, na sexta-feira passada (24), que o terreno deve ser elevado em  30 centímetros, para elevar a cota de inundação da área. Os trâmites legais e burocráticos devem ser realizados até final do primeiro semestre de 2024, e o edital está previsto para o início do segundo semestre. 

Depois da realização do Turá, entidades ambientais publicaram uma carta pedindo a preservação da concepção original do anfiteatro. As 25 instituições – entre as quais estão a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) e o Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (InGá) – pretendem evitar que se repita no local o que ocorreu no Harmonia, com a derrubada de 400 árvores. O grupo manifestou preocupação quanto ao futuro da área, e solicitou informações à prefeitura e ao Ministério Público Estadual, preocupado com a manutenção de “atividades culturais em harmonia com gramados, arborização atual e mata ciliar, o que valoriza a paisagem natural e serve de habitat para dezenas ou centenas de espécies de nossa fauna, em integração com a população de Porto Alegre”. 


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