Crônica | Parêntese

Nathallia Protazio: Aldeia Esquina Democrática

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Nathallia Protazio: Aldeia Esquina Democrática A esquina democrática é uma vida. É uma vida a esquina democrática. Trabalhando há pouco tempo aqui eu já vi muita coisa. Antes do meio-dia os senegaleses estão arrumando seus produtos em cima de lonas ou mesas improvisadas feitas de caixa de papelão. O verão chegou e acabou o amor em Porto Alegre. Agora durante o verão é cada um por si. Os mais fortes mantêm-se sob a marquise do edifício. Outros não têm a mesma sorte. Durante o dia a população que compõe a paisagem é tão diversa que aos poucos meus olhos se acostumaram com alguns rostos. Tem as meninas que vendem chip de celular, que pra minha surpresa são amigas, apesar da concorrência. Já vi uma atendendo sob o guarda sol da outra enquanto a outra estava ausente por  algum motivo fisiológico ou amoroso. Tem o estudante vendedor de brigadeiro. Os brigadianos da guarita. O vendedor de ouro. O peruano que faz troco pra gente. A menina do cachorro-quente que passa no mesmo horário pra dar oi. O meu amigo, Seu Osvaldo, que leva um sal de fruta sem sabor sempre. Quer dizer, só não leva quando chove ‘‘pra não derreter no bolso’’. Aos poucos até as pessoas se encaixam na minha rotina de sorrisos e ‘‘ois’’ durante o dia. As noites também têm uma certa repetição. Nalgumas quintas-feiras observo o vai e vem da população central curtindo o pagode que rola ali mesmo na esquina. Nesses inícios de noite é difícil não sair e pedir um latão pro primeiro ambulante pra acompanhar o fluxo. Realmente muito difícil, repito. Como nas sextas-feiras de Festa Black. Aquele ritmo todo entrando pelas portas escancaradas da farmácia maltrata esta trabalhadora que não pode sair dançando e se ensurdece tendo que gritar pra manter um mínimo de comunicação com algum cliente que ousa enfrentar a muvuca pra pegar um antiácido ou perguntar se vendemos água. Pra compensar, nos sábados de manhã o evento é roda de capoeira. Hoje, infelizmente, foi abafada por um grupo de alguma igreja que estava berrando a palavra do messias. Será que é muito repetitivo se eu disser que aquele Paranauê-Paraná circulando envolve a gente e de repente me pego conferindo as receitas do dia anterior no ritmo do berimbau?  Bom. Ainda bem nem tudo é festa e às vezes a esquina vê seu nome fazer sentido. Assisti a muitos atos políticos. Luta por direitos sociais tão óbvios que todos figuram no esquecido artigo sexto de nossa pouco consultada Constituição Federal: ‘‘a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, a segurança, a PREVIDÊNCIA SOCIAL’’ Sem citar o que pouca gente sabe que completa esta lista: ‘‘a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados e o lazer.’’  An-han. Colega, lazer é direito social, sim. Se eu me concentrar um pouquinho as vozes daqueles inquietos cidadãos sopram no meu ouvido: ‘‘Unificou, unificou, é estudante junto com trabalhador!!!’’, e vem de novo a vontade de largar minhas caixinhas de medicamento no balcão uns minutos […]

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A esquina democrática é uma vida. É uma vida a esquina democrática. Trabalhando há pouco tempo aqui eu já vi muita coisa. Antes do meio-dia os senegaleses estão arrumando seus produtos em cima de lonas ou mesas improvisadas feitas de caixa de papelão. O verão chegou e acabou o amor em Porto Alegre. Agora durante o verão é cada um por si. Os mais fortes mantêm-se sob a marquise do edifício. Outros não têm a mesma sorte. Durante o dia a população que compõe a paisagem é tão diversa que aos poucos meus olhos se acostumaram com alguns rostos. Tem as meninas que vendem chip de celular, que pra minha surpresa são amigas, apesar da concorrência. Já vi uma atendendo sob o guarda sol da outra enquanto a outra estava ausente por  algum motivo fisiológico ou amoroso. Tem o estudante vendedor de brigadeiro. Os brigadianos da guarita. O vendedor de ouro. O peruano que faz troco pra gente. A menina do cachorro-quente que passa no mesmo horário pra dar oi. O meu amigo, Seu Osvaldo, que leva um sal de fruta sem sabor sempre. Quer dizer, só não leva quando chove ‘‘pra não derreter no bolso’’. Aos poucos até as pessoas se encaixam na minha rotina de sorrisos e ‘‘ois’’ durante o dia. As noites também têm uma certa repetição. Nalgumas quintas-feiras observo o vai e vem da população central curtindo o pagode que rola ali mesmo na esquina. Nesses inícios de noite é difícil não sair e pedir um latão pro primeiro ambulante pra acompanhar o fluxo. Realmente muito difícil, repito. Como nas sextas-feiras de Festa Black. Aquele ritmo todo entrando pelas portas escancaradas da farmácia maltrata esta trabalhadora que não pode sair dançando e se ensurdece tendo que gritar pra manter um mínimo de comunicação com algum cliente que ousa enfrentar a muvuca pra pegar um antiácido ou perguntar se vendemos água. Pra compensar, nos sábados de manhã o evento é roda de capoeira. Hoje, infelizmente, foi abafada por um grupo de alguma igreja que estava berrando a palavra do messias. Será que é muito repetitivo se eu disser que aquele Paranauê-Paraná circulando envolve a gente e de repente me pego conferindo as receitas do dia anterior no ritmo do berimbau?  Bom. Ainda bem nem tudo é festa e às vezes a esquina vê seu nome fazer sentido. Assisti a muitos atos políticos. Luta por direitos sociais tão óbvios que todos figuram no esquecido artigo sexto de nossa pouco consultada Constituição Federal: ‘‘a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, a segurança, a PREVIDÊNCIA SOCIAL’’ Sem citar o que pouca gente sabe que completa esta lista: ‘‘a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados e o lazer.’’  An-han. Colega, lazer é direito social, sim. Se eu me concentrar um pouquinho as vozes daqueles inquietos cidadãos sopram no meu ouvido: ‘‘Unificou, unificou, é estudante junto com trabalhador!!!’’, e vem de novo a vontade de largar minhas caixinhas de medicamento no balcão uns minutos […]

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