Crônica | Parêntese

Ana Marson: Eu fugi da catequese, nunca mais voltei, nunca voltarei.

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Ana Marson: Eu fugi da catequese, nunca mais voltei, nunca voltarei. Desde os meus 4 anos de idade meus pais moram na mesma casa. Eu morei com eles lá até os 30. Na frente da nossa, tinha uma casa de uma família polonesa fugida da guerra, uma gente muito, mas muito religiosa, do tipo rezar ao acordar, no almoço, na janta, pra dormir, tinha até uma estátua de Jesus Cristo gigante, em gesso, no meio da sala. Eu morria de medo desse Jesus de Nazaré sempre me olhando, era tipo ver espírito pra mim. E essa família tinha uma guria exatamente da minha idade, claro que ficamos amigas. Então eu frequentava muito a casa. Ah, sim, sempre que entrava lá, eu tinha que reverenciar o Jesusão, todo mundo fazia, eu fazia também, sinal da cruz e tal. Eu até sei cantar “Parabéns a você” em polonês, juro, e sei até hoje, nunca esqueci. O fato é que, quando eu tinha 8 anos de idade, fui questionada pela mãe da amiga sobre por que eu e minha família não frequentávamos a missa de domingo. Eu respondi como uma pessoa tímida de 8 anos, quer dizer, dei de ombros e baixei a cabeça. Pra que; eu não sei de que jeito a conversa se desenrolou, só sei que chegamos ao ponto em que eu contei que não era batizada (ela deve ter perguntado sobre os preparativos pra primeira comunhão e tal, porque a filha dela ia começar essa função, lembro vagamente). JE-SUS. Essa mãe teve um ataque, como assim eu não era nem sequer batizada? Eu sabia os riscos que minha alma estava correndo? Eu sabia pra onde eu ia depois de morrer sem ser batizada? Isso não era certo, os pais não podiam fazer isso com uma criança, eu devia falar com meus pais. Bom, 8 anos, cheguei em casa com os olhos desse tamanho, “Pai, por que eu não fui batizada?”. Ele me disse que era pra que eu escolhesse a minha religião, se eu quisesse ter uma, quando grande. Eu retruquei, “Mas a minha alma não tá protegida”. Ele parou tudo, viu que o papo era sério, ouviu a reprodução da minha conversa com a mãe da amiga e então me explicou que não era bem assim, mas que se eu quisesse, se fosse me sentir melhor, eu podia ser batizada, fazer catequese, primeira comunhão e tal. Que ele mesmo tinha estudado pra ser padre e depois largado fora. (Leia-se: largaram ele fora por falta de vocação – maior decepção da nonna, que lamentava não ter um filho padre, ao que eu retrucava “Mas, nonna, se ele fosse padre, eu e meu irmão não estaríamos aqui”, ao que ela respondia “Bem, bem”, virando as costas, o que significava FODA-SE na linguagem de Cotiporã da época.) Mas voltando, lembro que ele disse que não esperava ter que me contar essas coisas tão cedo. Fui contar pra mãe da amiga que meu pai tinha deixado eu fazer primeira comunhão. Ela então disse que ia falar com o padre. Voltou me contando que […]

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Desde os meus 4 anos de idade meus pais moram na mesma casa. Eu morei com eles lá até os 30. Na frente da nossa, tinha uma casa de uma família polonesa fugida da guerra, uma gente muito, mas muito religiosa, do tipo rezar ao acordar, no almoço, na janta, pra dormir, tinha até uma estátua de Jesus Cristo gigante, em gesso, no meio da sala. Eu morria de medo desse Jesus de Nazaré sempre me olhando, era tipo ver espírito pra mim. E essa família tinha uma guria exatamente da minha idade, claro que ficamos amigas. Então eu frequentava muito a casa. Ah, sim, sempre que entrava lá, eu tinha que reverenciar o Jesusão, todo mundo fazia, eu fazia também, sinal da cruz e tal. Eu até sei cantar “Parabéns a você” em polonês, juro, e sei até hoje, nunca esqueci. O fato é que, quando eu tinha 8 anos de idade, fui questionada pela mãe da amiga sobre por que eu e minha família não frequentávamos a missa de domingo. Eu respondi como uma pessoa tímida de 8 anos, quer dizer, dei de ombros e baixei a cabeça. Pra que; eu não sei de que jeito a conversa se desenrolou, só sei que chegamos ao ponto em que eu contei que não era batizada (ela deve ter perguntado sobre os preparativos pra primeira comunhão e tal, porque a filha dela ia começar essa função, lembro vagamente). JE-SUS. Essa mãe teve um ataque, como assim eu não era nem sequer batizada? Eu sabia os riscos que minha alma estava correndo? Eu sabia pra onde eu ia depois de morrer sem ser batizada? Isso não era certo, os pais não podiam fazer isso com uma criança, eu devia falar com meus pais. Bom, 8 anos, cheguei em casa com os olhos desse tamanho, “Pai, por que eu não fui batizada?”. Ele me disse que era pra que eu escolhesse a minha religião, se eu quisesse ter uma, quando grande. Eu retruquei, “Mas a minha alma não tá protegida”. Ele parou tudo, viu que o papo era sério, ouviu a reprodução da minha conversa com a mãe da amiga e então me explicou que não era bem assim, mas que se eu quisesse, se fosse me sentir melhor, eu podia ser batizada, fazer catequese, primeira comunhão e tal. Que ele mesmo tinha estudado pra ser padre e depois largado fora. (Leia-se: largaram ele fora por falta de vocação – maior decepção da nonna, que lamentava não ter um filho padre, ao que eu retrucava “Mas, nonna, se ele fosse padre, eu e meu irmão não estaríamos aqui”, ao que ela respondia “Bem, bem”, virando as costas, o que significava FODA-SE na linguagem de Cotiporã da época.) Mas voltando, lembro que ele disse que não esperava ter que me contar essas coisas tão cedo. Fui contar pra mãe da amiga que meu pai tinha deixado eu fazer primeira comunhão. Ela então disse que ia falar com o padre. Voltou me contando que […]

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