Cartas

Pra rir ou chorar

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Pra rir ou chorar

Tem barulhinhos que se ouve e são intrigantes. O de um osso quebrando é um deles. Foi a primeira vez que ouvi um destes saindo do meu próprio corpo. De início, não acreditei. Talvez tenha sido só o dedo estalando no choque com o móvel da sala, pensei. Meu marido também ouviu, ficamos os dois em dúvida. Corri para colocar a bolsa gelada que fica a postos na geladeira para estas ocasiões, esperei a dor aguda passar, tomei um ibuprofeno e segui com o final da tarde de domingo. Cheguei a me vestir para caminhar na esteira mas não consegui dar três passos calçando tênis. Amanhã vai estar melhor, se não, dou uma passada no pronto atendimento de ortopedia depois que sair do hospital, pensei. Dito e feito. Depois de uma manhã de trabalho, o dedo estava bem feinho. Com o Raio-X, o fato: fratura da falange distal…Aí, o início do meu conflito. 

Eu estava preocupada. Não tem sido um período fácil para quem trabalha em saúde. Equipes cansadas, desfalcadas, e, apesar disso, cumprindo suas tarefas com dedicação. Não esqueço a voz trêmula na mensagem de áudio da médica residente que, numa segunda-feira, acordou sem olfato. Era medo, de pegar COVID e não voltar. O choro de tristeza e raiva da colega exausta, quando soube que suas férias haviam sido suspensas pelo decreto das autoridades de saúde. Veio tudo à minha cabeça naquele momento. O médico quis me dar 14 dias de afastamento, eu perguntei se não poderia ser menos. Ele hesitou, disse que me daria 7 dias mas queria reavaliar antes do meu retorno ao trabalho. Obedeci. A questão é: não é ruim ficar em casa, literalmente, de pernas para o ar. Depois de um dia de repouso, estou feliz por não ter que sair para ir ao hospital, correr o risco de pegar o maldito vírus. 

[Continua...]

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Tem barulhinhos que se ouve e são intrigantes. O de um osso quebrando é um deles. Foi a primeira vez que ouvi um destes saindo do meu próprio corpo. De início, não acreditei. Talvez tenha sido só o dedo estalando no choque com o móvel da sala, pensei. Meu marido também ouviu, ficamos os dois em dúvida. Corri para colocar a bolsa gelada que fica a postos na geladeira para estas ocasiões, esperei a dor aguda passar, tomei um ibuprofeno e segui com o final da tarde de domingo. Cheguei a me vestir para caminhar na esteira mas não consegui dar três passos calçando tênis. Amanhã vai estar melhor, se não, dou uma passada no pronto atendimento de ortopedia depois que sair do hospital, pensei. Dito e feito. Depois de uma manhã de trabalho, o dedo estava bem feinho. Com o Raio-X, o fato: fratura da falange distal…Aí, o início do meu conflito. 

Eu estava preocupada. Não tem sido um período fácil para quem trabalha em saúde. Equipes cansadas, desfalcadas, e, apesar disso, cumprindo suas tarefas com dedicação. Não esqueço a voz trêmula na mensagem de áudio da médica residente que, numa segunda-feira, acordou sem olfato. Era medo, de pegar COVID e não voltar. O choro de tristeza e raiva da colega exausta, quando soube que suas férias haviam sido suspensas pelo decreto das autoridades de saúde. Veio tudo à minha cabeça naquele momento. O médico quis me dar 14 dias de afastamento, eu perguntei se não poderia ser menos. Ele hesitou, disse que me daria 7 dias mas queria reavaliar antes do meu retorno ao trabalho. Obedeci. A questão é: não é ruim ficar em casa, literalmente, de pernas para o ar. Depois de um dia de repouso, estou feliz por não ter que sair para ir ao hospital, correr o risco de pegar o maldito vírus. 

Foi uma semana e tanto. Vimos o início da vacinação, também vimos as pessoas usando o poder em benefício próprio e furando a fila. Eterno conflito: eu ou os outros? meus familiares? meu grupo de trabalho? minha comunidade? Cada qual, um mundo de direitos e deveres. Passeando pelas notícias da semana, encontro o editorial da Revista Parêntese do último sábado, onde há a citação de um samba de Billy Blanco. O samba se chama “Canto chorado” e diz assim: o que dá pra rir, dá pra chorar/ questão só de peso e medida/ problema de hora e lugar/ mas tudo são coisas da vida… Fiquei mais tranquila, mas sigo em busca da certa medida.


Ana Cristina Tietzmann – leitora e assinante da Parêntese

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