Ensaio | Parêntese

Cristiano Fretta: Bairro São João: fé, livros e mentira

Change Size Text
Cristiano Fretta: Bairro São João: fé, livros e mentira A palavra “bairro” tem origem no árabe barr, que significa “exterior”. Durante o período de dominação muçulmana da Península Ibérica (771 a 1492), o vocábulo passou a ser usado para se referir a subúrbios de centros urbanos. Atualmente, “bairro” significa, de uma maneira geral, uma das partes em que é possível se dividir uma cidade. O campo de significação dessa palavra é, no entanto, muito mais amplo e subjetivo, como tudo no reino da semântica. Um bairro é, também, identidade e memória. É a experiência da caminhada do dia a dia, o espaço físico do começo de nossa autonomia (quando nossos pais nos deixaram ir, pela primeira vez, sozinhos à farmácia ou ao mercadinho), os colegas de escola que moravam perto, a antiga ferragem que parecia existir desde o começo dos tempos, a rua larga que já foi estreita, o trilho do bonde soterrado pelo concreto, a voz dos pais e dos avós falando sobre o antigo comércio. Os bairros carregam consigo não só a história de uma cidade, mas também um pouco da memória de todos aqueles que já se foram. E, se estamos acostumados a dizer que a experiência urbana é fragmentada, as particularidades que cada bairro assume no conjunto de uma cidade corroboram para que ela seja, por natureza, algo plural.  No meu caso, o bairro São João é um espaço físico essencial na minha vida: foi nele que nasci, brinquei, cresci e entrei na vida adulta. Boa parte de minha família cumpriu no bairro as mesmas etapas, de forma que não consigo pensar nos meus entes queridos sem ligá-los imediatamente ao São João. Além disso, meus parentes sempre tiveram o hábito de me contar histórias antigas sobre as ruas, comércios e vizinhos, fazendo com que a curiosidade pelo passado das coisas à minha volta sempre estivesse presente. No meu ensino médio, no La Salle São João, seguidamente eu considerava a geometria espacial menos interessante do que olhar pela janela da sala e observar a torre da igreja, pensando em quanto tempo ela já estava ali e na quantidade de pessoas que naquele templo já haviam entrado, com suas fés, alegrias e tristezas.  O templo em 2020 – foto: Cristiano Fretta Entre os que conhecem um pouco da história do bairro São João, há praticamente um consenso: ele teria se desenvolvido em torno da construção da capela destinada a São João Batista, obra empreendida por duas devotas irmãs, Clara e Felicidade Maria da Silva, conhecidas pela alcunha de “irmãs fumaça”. A obra iniciou em 1871 e ficou concluída em 1874, às margens da então Estrada do Passo da Areia, atual Assis Brasil. O motivador do empreendimento teria sido puramente uma questão de devoção e fé a São João Batista. Juntando esmolas, as duas irmãs angariaram recursos para a construção do templo no terreno de uma antiga pedreira, propriedade da família. A atual igreja começou a ser construída em 1923, sendo totalmente concluída somente muitos anos mais tarde. Esta é a versão que consta na Wikipedia, no site […]

Quer ter acesso ao conteúdo exclusivo?

Assine o Premium

Você também pode experimentar nossas newsletters por 15 dias!

Experimente grátis as newsletters do Grupo Matinal!

A palavra “bairro” tem origem no árabe barr, que significa “exterior”. Durante o período de dominação muçulmana da Península Ibérica (771 a 1492), o vocábulo passou a ser usado para se referir a subúrbios de centros urbanos. Atualmente, “bairro” significa, de uma maneira geral, uma das partes em que é possível se dividir uma cidade. O campo de significação dessa palavra é, no entanto, muito mais amplo e subjetivo, como tudo no reino da semântica. Um bairro é, também, identidade e memória. É a experiência da caminhada do dia a dia, o espaço físico do começo de nossa autonomia (quando nossos pais nos deixaram ir, pela primeira vez, sozinhos à farmácia ou ao mercadinho), os colegas de escola que moravam perto, a antiga ferragem que parecia existir desde o começo dos tempos, a rua larga que já foi estreita, o trilho do bonde soterrado pelo concreto, a voz dos pais e dos avós falando sobre o antigo comércio. Os bairros carregam consigo não só a história de uma cidade, mas também um pouco da memória de todos aqueles que já se foram. E, se estamos acostumados a dizer que a experiência urbana é fragmentada, as particularidades que cada bairro assume no conjunto de uma cidade corroboram para que ela seja, por natureza, algo plural.  No meu caso, o bairro São João é um espaço físico essencial na minha vida: foi nele que nasci, brinquei, cresci e entrei na vida adulta. Boa parte de minha família cumpriu no bairro as mesmas etapas, de forma que não consigo pensar nos meus entes queridos sem ligá-los imediatamente ao São João. Além disso, meus parentes sempre tiveram o hábito de me contar histórias antigas sobre as ruas, comércios e vizinhos, fazendo com que a curiosidade pelo passado das coisas à minha volta sempre estivesse presente. No meu ensino médio, no La Salle São João, seguidamente eu considerava a geometria espacial menos interessante do que olhar pela janela da sala e observar a torre da igreja, pensando em quanto tempo ela já estava ali e na quantidade de pessoas que naquele templo já haviam entrado, com suas fés, alegrias e tristezas.  O templo em 2020 – foto: Cristiano Fretta Entre os que conhecem um pouco da história do bairro São João, há praticamente um consenso: ele teria se desenvolvido em torno da construção da capela destinada a São João Batista, obra empreendida por duas devotas irmãs, Clara e Felicidade Maria da Silva, conhecidas pela alcunha de “irmãs fumaça”. A obra iniciou em 1871 e ficou concluída em 1874, às margens da então Estrada do Passo da Areia, atual Assis Brasil. O motivador do empreendimento teria sido puramente uma questão de devoção e fé a São João Batista. Juntando esmolas, as duas irmãs angariaram recursos para a construção do templo no terreno de uma antiga pedreira, propriedade da família. A atual igreja começou a ser construída em 1923, sendo totalmente concluída somente muitos anos mais tarde. Esta é a versão que consta na Wikipedia, no site […]

Quer ter acesso ao conteúdo exclusivo?

Assine o Premium

Você também pode experimentar nossas newsletters por 15 dias!

Experimente grátis as newsletters do Grupo Matinal!

RELACIONADAS
ASSINE O PLANO ANUAL E GANHE UM EXEMPLAR DA PARÊNTESE TRI 1
ASSINE O PLANO ANUAL E GANHE UM EXEMPLAR DA PARÊNTESE TRI 1

Esqueceu sua senha?

ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.
ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.