Crônica

Aqui na gringa – #8

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Aqui na gringa – #8 Foto: Luís Augusto Fischer

Falemos de nacionalismo. O atentado terrorista do Hamas e a resposta assassina do estado de Israel na Faixa de Gaza batem aqui nos EUA fortemente, por motivos variados, do tradicional apoio do país a Israel ao atentado às Torres Gêmeas. Isso sem falar de eventos difusos, como agora mesmo tem ocorrido: assim que esse novo horror se armou, os pais de alunos de escolas públicas, aqui em Princeton, Nova Jersey, foram avisados de que a segurança foi reforçada, incluindo a presença de policiais em trajes civis (que já vi ao vivo esses dias), e foi mantido o protocolo já conhecido, que por exemplo impede que alunos circulem pela escola com mochilas nas costas (sim, o pavor de um ataque terrorista externo inclui o pavor de assassinos de escolares e professores, como todos vimos acontecer muitas vezes).

Ficou grande a frase, mas paciência: confio no leitor atento, na leitora conectada. 

Mas o ponto é o nacionalismo. Aqui na cidade, como certamente ocorre pelo país afora, não é nada raro deparar com a bandeira deles, a famosa aquela, estrelas e listas, em vermelho, azul e branco. Por nada, o cara expõe uma bandeira na entrada de casa – como nestas fotos aqui, casas fotografadas meio ao acaso na cidade.

Foto: Luís Augusto Fischer

Foto: Luís Augusto Fischer

Mesmo na escola, que tem toda uma política (bem-sucedida) de acolhimento, favorável a pessoas LGBT, a imigrantes de toda e qualquer procedência – este país é um centro mundial de imigração, como qualquer região rica do mundo –, aceitando gente de tudo que é cor, mesmo ali, numa sala especialmente designada para acolhimento, tem uma bandeira americana. Olha só. 

Foto: Luís Augusto Fischer

Minha filha enfrentou uma situação particular semana passada. No primeiro período de cada dia na série dela (a oitava), os alunos são convidados a ficar de pé, mão sobre o coração, e repetir o juramento à bandeira. Que é assim: 

“I pledge allegiance to the flag of the United States of America, and to the republic for which it stands, one nation under God, indivisible, with liberty and justice for all.”

Tradução rápida: “Eu prometo fidelidade à bandeira dos Estados Unidos da América e à república que ela representa, uma nação sob a proteção de Deus, indivisível, com liberdade e justiça para todos.”

Fui ver e constatei que a frase mudou um pouco desde sua invenção, mais de cem anos atrás: basicamente introduziram o nome do país (deste país sem nome, como diz o Caetano Veloso, ao contrário do Brasil, um nome sem país) onde antes só se falava em “república”, e meteram Deus no meio, na época do macartismo, para conjurar o “perigo” comunista.

Ocorre que a minha filha, casualmente num período de Ciências, permaneceu sentada durante o juramento. E, pela primeira vez, o professor veio indagar qual era: por que ela não tinha levantado e jurado? Que ela soubesse que o pai dele e o avô tinham servido ao Exército americano, etcétera e tal. Ela não respeitava esse patrimônio todo? Ele mostrou alguma foto documentando essa história, ao mesmo tempo familiar e, para ele, nacional.

Ela nada respondeu, mas pensou que, se fosse para jurar alguma bandeira, ela o faria mas para a bandeira do Brasil, seu país. 

O cara meio que se ouriçou, e ela resolveu comentar o caso com uma professora que é meio que o SOE do contexto. E esta profe reforçou que nenhum aluno é obrigado a jurar a bandeira americana na escola; e que se o professor voltasse a falar nisso ela deveria ser comunicada para levar o caso a instâncias superiores. 

Ao mesmo tempo que me deu um orgulho ver essa resistência, baseada num sentido alerta de pertencimento (e creio que sem viés nacionalista propriamente), me bateu o seguinte: se aqui, numa cidade que gira toda em torno de uma grande universidade, uma das maiores do país, a terceira mais antiga, rola algo assim, imagina mais para o interior, para aquilo que, dizia o Paulo Francis com deboche, é conhecido como FOT, flying over territory, território que se passa voando entre as duas bordas oceânicas, aqui do lado Nova York e do lado do Pacífico Los Angeles, as ilhas tradicionalmente cosmopolitas do país.

Imagina? E imagina onde é que aquele velho loiro de araque, o topetudo Trump, deita e rola?


Luís Augusto Fischer é escritor, professor do Instituto de Letras da UFRGS e fundador da revista Parêntese. Atualmente, está passando um semestre como professor convidado em Princeton, USA. Seu mais recente livro é A ideologia modernista: a Semana de 22 e sua consagração (Todavia).

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