Crônica

Bons motivos para não se preocupar em lançar um novo livro

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Bons motivos para não se preocupar em lançar um novo livro

Semana que vem vou a São Paulo lançar meu segundo livro de crônicas. Por tais razões, igualmente assustadoras, ontem quis me dar dores de barriga e insônia. ‘‘Minha Nossa Senhora Achiropita, o que será de mim com todo mundo sabendo meus segredos?’’.  Publicar é tornar público, e se tem uma coisa mais presente que o coronavírus nessas crônicas reunidas do período da pandemia, é a minha instabilidade psicológica. Acho que sou meio, digamos assim, alterada. E isso não é nenhuma novidade pra mim, que sou obrigada a conviver comigo o tempo todo, nem pra quem convive comigo, por desejo (saudades, Marcela) ou necessidade (foi mal, galera da farmácia…).

A ansiedade bateu à porta, claro. Tive de recorrer ao meu método infalível de evitar crises agudas de pânico: Tomei um Imosec, passei um chá de camomila, e sentei no pátio com meu caderno e uma bic. Fiquei procurando bons motivos para não me preocupar com a venda de palavras que um dia já foram minhas, mas hoje só levam algo que será dos outros. Aí vai uma parte da minha lista mental de BONS MOTIVOS PARA UMA CRONISTA NÃO SURTAR PUBLICANDO UM LIVRO NOVO:

  1. Aposto cegamente no tamanho da editora – mesmo a Jandaíra (obrigada, Lizandra) não sendo tão pequena como é a Venas Abiertas, que publicou o meu primeiro título (obrigada, Karine) – ela não é muito grande. A equipe é incrível, certo que sim. Elas são eficientes num ponto que no Brasil só quem mora em São Paulo consegue ser. E mais! Elas são queridas. Falando sério, muito queridas. Quando começamos a trabalhar juntas eu desconfiei. Fiquei esperando a pegadinha e descobri que trabalhar com mulher é sempre muito melhor. Porém, a gente sabe que a única editora que vende de verdade no Brasil tem nome de Companhia. E era isso. O mercado editorial brasileiro vai garantir que meu livro não encontre tantos leitores. Obrigada.
  1. Além disso, existe a dificuldade de distribuição do trabalho, afinal, olha o tamanho do nosso país! Se chegarem exemplares do meu livro em Pernambuco, onde está a minha família, não vai passar da linha do Recife. Gravatá no máximo, que ali ainda tem turista. Mas Caruaru, Garanhuns, Bom Conselho, Belo Jardim… Esquece. Jupi mesmo nem livraria tem. Isso que eu nem vou citar as cidades que conheço do interior da Bahia, do Goiás, do Pará…
  1. Ah! 2022 é ano de eleição. As pessoas têm coisas melhores pra fazer. Se não melhores, mais importantes. Quem vai perder tempo indo até uma livraria comprar leitura?
  2. Tá todo mundo fodido de grana – aqui qualquer lista poderia terminar sem mais explicações.
  1. Contudo, o que mais me tranquiliza é um fato antigo e tão próspero quanto o agro. Neste país ninguém lê. E não é porque não querem. As pessoas não sabem ler. E quem sabe, não entende. E quem entende, não dá a mínima.

Mas, não sejamos fatalistas, vamos imaginar que um leitor desatento entre numa livraria e neste dia a iluminação do sol está perfeita, o clima ameno, ele tem um dinheirinho no bolso que recebeu de uma aposta feita com o cunhado, há muito já tida por perdida. Passou na ferragem e não encontrou o tipo de respirador que resolveria o mau cheiro do banheiro. Enfim, ousemos imaginar um leitor incomum num dia incomum, e pelo sol, pelo clima, pela aposta, pelo cunhado, pelo respirador e uma leve distração, ele se resolveu por levar um livro pra casa. Eu vos acalmo, ele pode até vencer os motivos do mercado editorial, da dificuldade de distribuição, o ano eleitoral, a falta de dinheiro, o analfabetismo literário. Toda a lista. Ele pode até estar inspirado, mas não se enganem… Mesmo que o nosso leitor resolva levar um livro pra casa, esse livro nunca será de crônicas.

Meus segredos estão salvos!


Nathallia Protazio é escritora e farmacêutica.

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