Crônica

Faísca

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Faísca Foto: Ulrike Mai

Talvez nem tudo esteja perdido para a obscuridade. Foi a primeira ideia que me veio à cabeça quando li o resultado da pesquisa do Instituto QualiBest, divulgada no dia 16 de março passado. A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro amargou um segundo lugar, para a atriz e acadêmica Fernanda Montenegro, no quesito mulher mais admirada do Brasil.

Ela apareceu na mídia morena, sobrancelhas mais arqueadas, contorno definido no rosto e destaque nas bochechas. Nariz afinado nas laterais e arrebitado. Linhas retas na carinha de santa para imprimir seriedade ao projeto de viajar pelo Brasil “para ver pessoalmente as necessidades de cada município, de cada estado”, bem cimentado sobre o valor recorde de onze milhões de reais, correspondentes à cota de cinco por cento do fundo partidário do PL destinado à participação de mulheres na política, como determina a Lei Eleitoral.  

O salário bruto, igual ao que o PL pagará ao marido dela, é de quarenta e um mil e seiscentos reais por mês.

Entretanto, nem o conjunto de agulhadas de ácido e toxinas que dura aproximadamente um ano, nem o dote milionário foram suficientes para maquiar as imperfeições na imagem da ex primeira-dama. Primeiro, os efeitos da Micheque colaram nela, por conta dos 90 mil reais depositados em sua conta pelo miliciano Fabrício Queiros. Mais recentemente, foram os brilhantes presenteados pelo governo da Arabia Saudita, que um heroico fiscal da Receita Federal impediu que entrassem ilegalmente no país e fossem exibidos no colo de Misheik.

Em um lapso de lucidez, uma em cada dez das 1.506 pessoas que participaram da pesquisa, entre os dias 28 de fevereiro e 02 de março deste ano, citaram Fernanda. Aos 93 anos, com as feições do rosto envelhecidas pelo tempo, a atriz é testemunha de que nem tudo na vida se resolve com estética e cara de santa, nem com promessas de “declarar que essa nação pertence ao Senhor”. Na contramão das artimanhas do marketing eleitoral e das religiões, a estrela demonstrou que brilho próprio não ofusca com faísca, que há brasileiros que preferem cultura à aparência, que desprezam promessas estapafúrdias de personalidades de moral duvidosa. 


Beatriz Marocco é jornalista com doutorado em Jornalismo. Autora de livros e artigos acadêmicos, professora universitária e pesquisadora independente, tem-se dedicado a pensar criticamente as práticas jornalísticas.

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