Crônica

Fascinante

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Fascinante

Em manifestação recente, o atual gestor político de Porto Alegre se disse prefeito de todos os porto-alegrenses e declarou seu apoio ao projeto de destruição generalizada e amor à morte do atual presidente da república. 

De tempos em tempos vou a Porto Alegre, sou do Partenon, não desfiz o vínculo com minha cidade natal. Estar longe dela, acompanhando as questões locais a distância, me coloca numa posição diferente de quem experimenta o dia a dia das disputas civilizatórias, e também as administrativas, locais. Por isso, eu me sinto obrigado a retornar ao enorme e importante universo que é este município que tanto amo – referência fundamental para a identidade deste nosso país –, por meio deste registro para pontuar algo que me parece sério, que me parece urgente. 

Não se trata de meter a colher em um contexto que já não me diz respeito, que não me afeta diretamente; trata-se de frisar, como cidadão deste município que ainda sou, com todo respeito e cuidado, as sérias consequências políticas da posição do prefeito. 

O que está em questão neste momento histórico do país é a manutenção da Liberdade e da Democracia não só em Porto Alegre, mas no país.

Um administrador local não é um zelador, não é um síndico: é um importante aglutinador das esperanças de futuro passíveis de serem reunidas dentro da vontade de pessoas reais, de esforços reais e imediatos, da necessidade de se estabelecer uma ética que é justamente o oposto da destruição. São os municípios que absorvem a dureza da existência, o dia a dia, são os prefeitos que operam na proximidade mais efetiva entre o poder e as cidadãs e cidadãos.

Quando um prefeito diz que apoia um movimento, uma conduta, uma visão de mundo que sustenta que a solução civilizatória não é o diálogo, mas a eliminação do outro, que é o “primeiro eu, depois o outro”, que é o se colocar de joelhos diante da morte, que é a falta de transparência, que é a destruição da educação, que é a eliminação dos direitos de quem trabalha, que é a fome, que é o preconceito, que é o fim da democracia, isso é extremamente preocupante.

Políticos não gostam de perder o poder, lutam para continuar no poder. Isso faz parte do jogo, faz parte da tensão democrática. Mas quando um político, um grupo (uma família), sinaliza (não são poucas as falas e as ameaças) que não sairá do poder e fará de tudo para alterar as já frágeis estabilidades institucionais brasileiras, conquistadas com dificuldade, e extirpar quem quer que se oponha à sua vontade, isso é um problemão, isso é abrir as portas do inferno. Sim, do inferno.

Na canção de Humberto Gessinger estão os versos: “o fascismo é fascinante / deixa a gente ignorante fascinada”. É terrível que um político diga que apoia o impulso de morte, de ódio, de sectarismo descomedido, de desagregação. É terrível que apoie um projeto que levou ao orçamento secreto (nunca na república houve um assalto tão maligno aos cofres públicos), à ruína quase completa da educação, à destruição do meio ambiente, ao retorno da fome (é só andar pelas ruas de qualquer cidade do país). É terrível que, sendo mau zelador, mau subalterno (porque se coloca nesse lugar de subalterno), diga a seu povo: que venha a destruição, estou aqui e quero sentir toda sua desgraça.

Tenho orgulho de ser gaúcho e de ser da capital dos gaúchos. Nosso estado sempre foi um lugar instigante para quem olha de fora: temos o preconceito, mas temos lutas fortes contra o preconceito. Somos referência mundial de luta pela democracia, pela dignidade humana, pela ética. A ética é relacional, é a luta pelo bem da coletividade, pelo futuro. 

Não há futuro no retorno do fascismo, no neofascismo. É disso que se trata. O passo do administrador em direção ao precipício foi dado. Que a população porto-alegrense entenda que a luta por uma cidade melhor não pode passar pelo aceite desse perigosíssimo atalho: o atalho do discurso da solução rápida e baseada na violência, no medo, na mentira, no ódio, na eliminação do outro, na morte.

O prefeito erra. A população de Porto Alegre não precisa desse tipo de fascínio. O prefeito (e aqui não julgo sua competência de gestor) escolheu dar apoio ao atalho, um perigoso atalho.

Quem não enxerga a nuvem escura da ditadura e da guerra de todos contra todos que paira no ar? Na ditadura, não há liberdade, não há escolha, quem diverge é calado na base da brutalidade sumária.

 A população de Porto Alegre não precisa fazer o mesmo.


Paulo Scott é escritor.

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