Crônica

Filigram

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Filigram

‘‘Fica tranquila, o motorista Jorge tá indo aí te buscar.’’ Dizia a mensagem da Andréia, assim que informei minha chegada. Motorista, brother, será que eles entenderam bem quem eu sou? Acho que não… Estava há dois minutos em Gramado e já me sentia uma estrela de cinema. Mas desta vez a arte em evidência é outra e tem muito mais a ver comigo: Primeiro Festival Internacional Literário de Gramado – isso mesmo, o título: Filigram.

A capital do glamour gaúcho tirou o projeto da gaveta e desta vez deslanchou, não tem volta: THE BOOK IS ON THE TABLE, azar! A programação recheada de gente fina, elegante e com muita coisa pra falar tinha me deixado animada e não sei com que cara de pau eu aceitei o convite. Cheguei com três objetivos simples e uma missão falida: encontrar o Ronald Augusto, a Ana dos Santos e um boteco raiz (raiz, explica-se, o tipo de estabelecimento provido de um balcão, banheiros com pouco asseio, cervejas de marcas e preços populares, propício ao encontro da malandragem com o proletariado) e a grande missão, é claro, de enganar bem como repórter por um dia.

O Jorge me achou na saída errada – óbvio, consigo me perder até em Gramado – e seguimos pro QG. ‘‘Oi, gente, essa aqui é a Nathallia, ela veio pelo grupo Matinal, vai cobrir o evento do dia de hoje com vocês.’’ Todos muito queridos me receberam como se aquilo fosse a coisa mais normal do mundo. Eu sorria e pensava, ufa, ainda não perceberam que eu não sou jornalista. Maravilhoso. Continuei sorrindo, sem tirar a máscara.

A assessoria de imprensa estava numa sala contigua, vários notebooks, muitos cafés e olheiras, eu via aquilo com um ar de ‘‘Nooooooossa, jornalistas de verdade, que legal!’’ Me deu imediatamente uma vontade transbordante de perguntar como se sentiam sendo jornalistas de verdade fazendo a cobertura de um evento de verdade. Mordi a língua pra não dizer nada do tipo: ‘‘Viu, gente eu sou só uma cronista, que ganha a vida num balcão de farmácia, podem relaxar.’’ E depois que todos fizessem uma cara de susto, alguém soltaria uma risada, todos nós riríamos, então me sentiria a vontade o suficiente para perguntar: ‘‘Tem algum boteco pé sujo por aqui?’’

Lógico que nada disso aconteceu, e como eu estava a bastante tempo mordendo minha língua e já era quase meio dia, o almoço era a minha deixa pra não confessar meu amadorismo criminoso ali no ato. Fui dar uma volta com a Amália (da produção), ela me apresentava o lugar, explicando onde cada evento que eu ‘‘cobriria’’ no dia estava previsto, quando um milagre aconteceu. Encontrei a Taiasmin sentada num degrau, se dividindo entre tomar sol e mandar uma mensagem no celular.

Você conhece a Taiasmin Ohnmacht? Se não conhece, tem que conhecer hoje. Agora! Vai lá no instagram dela, adiciona e manda uma mensagem assim: ‘‘Oi, a Nathallia Protazio falou que tu é uma querida, tudo bem?’’ Isso mesmo, a Taiasmin é o tipo de pessoa que você deveria propor amizade de cara. Mas não faça isso, ela certamente acharia isso estranho, por dois motivos: primeiro, porque é mesmo estranho mandar mensagens para quem você não conhece, e segundo, porque a Taiasmin olha o mundo com os olhos de quem encontra a estranheza em todos os lugares, se acostumou a isso, mas ainda acha o mundo estranho. A Taiasmin carrega uma atmosfera de sabedoria vivida que me fascina.

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Ana dos Santos, Carolina Panta e Futhi Nstshingila (Foto: Dinarci Borges)

Fomos almoçar juntas e às 14h eu pensava, pronto, já posso ir embora pra casa. Estou satisfeita. Porém, como boa competidora que sou, foquei na minha listinha de objetivos e segui forte em manter minha missão a salvo. Me encantar com as discussões das mesas foi fácil. Eu fiquei só neste primeiro domingo e tive aula de teoria literária com o Ronald Augusto, (era só pra ser uma mesa de autógrafos); uma conversa leve sobre revistas literárias com a Carolina Panta, o Doralino Souza e o André Santos e uma grande troca de saberes com Ana dos Santos e Futhi Ntshingila. Vou te contar, o dia passou de uma maneira tão saborosa que eu até esqueci da minha missão e acabei sendo eu mesma.

Roda de poesia com Ronald Augusto (Foto: Dinarci Borges)

Nathallia Protazio é escritora e farmacêutica.

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