Crônica

Memórias de sítio

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Memórias de sítio
A minha primeira memória remonta meus três anos. Tem gente que diz que eu minto. Não digo que nunca menti, mas neste caso me valho da única verdade do mundo: a memória é ficção. Além disso, tenho sempre o testemunho de minha mãe do meu lado. – Era deste jeito mesmo – ela responde enquanto mexe uma panela de xerém ou feijão. Por falta de recursos financeiros, o ano de 1993 não foi lá essas coisas pro nosso núcleo familiar e como minha avó paterna ainda morava num sítio provido de uma casa de farinha, unimos o útil ao mais útil. Se você nunca teve a oportunidade de morar um período, por mais fugaz que seja, na casa de sua avó, eu lhe pranto. Casa de vó é a maior fonte de lembranças pra guardar uma infância feliz até a triste vida adulta. Eu fui uma criança alegre. Já ouvi muitas vezes os lamentos das minhas tias contando que eu era muito sorridente e que adorava dormir à tarde, mas ai de quem inventasse de me levantar antes da hora que eu achasse adequada, abria o berreiro e não tinha santo, pipoca nem confeito que resolvesse. Por isso, na casa da minha vó, a criança feliz que eu era dormia até a hora que achasse justa. Até hoje me pergunto, pra quê raios, se não ia à escola nem a qualquer escritório, podiam minhas tias querer me acordar? A infância é cheia de mistérios. Perguntas sem correspondentes, questionamentos jamais findados. Como já mencionado, a casa da minha avó era num sítio. Digo era porque não sei como nem por qual motivo ela se mudou dali alguns anos para a cidade. Mistério. No seu antigo sítio toda a região, que circundava a casa até o areal e do limite da capela até a estrada, era tomada por uma plantação eterna de mandioca. Por que só plantavam mandioca? Mistério. Nos fundos, a uns importantes metros de distância, ficava a casa de farinha que abastecia toda a região do Sítio Fama até os vizinhos do Sítio Cachoeira. Por que a casa de farinha construída pelo meu finado avô servia pra tanta gente e nenhum prefeito cuidou da produção da região? Mistério. Na tal casa de farinha meu pai desempregado tentava levantar algum sustento. Minha mãe me botava na cama de minha vó, o quarto mais ventilado da casa, protegida por uma muralha de travesseiros, pra ter algum sossego à tarde. Quem mora de favor paga caro. Faxina, comida, lavagem de roupa, você pode imaginar que a rotina dela não eram férias. O cuidado que uma casa no sítio requer é incessante e fastidioso. Tanto que, constantemente, eu pequena acordava e, na ausência dos olhos adultos da casa, me embrenhava nos matos. Lá ia Nathallia cortando caminho pelas mandiocas. Em minha memória era uma floresta enorme, uma aventura longa atravessando todo aquele verde. O roteiro era certo, a casa de Dona Chiquinha, a vizinha de sorriso largo e cozinha limpa do outro lado do […]

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